ARTES CÊNICAS

O peso do silêncio em Tchekhov 

Peça dirigida por Helio Zolini estreia no CCBB e permanece em cartaz até abril. A montagem traz reflexões sobre a falência da palavra

Por Jessica Almeida
Publicado em 17 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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O conto “A Corista” é o fio condutor por meio do qual o espetáculo “Que Venha a Primavera – Páginas Tchekhovianas”, que estreia na próxima sexta (23), constrói sua narrativa para apresentar a contundente obra do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904). “O que me fascina na obra dele é a incomunicabilidade entre os personagens, que aparece tanto em sua escrita para teatro quanto nos contos. Isso espelha muito o mundo em que a gente vive hoje”, observa o ator, diretor e dramaturgo Helio Zolini, responsável pela direção e adaptação do espetáculo.

Fragmentos de outras obras de Tchekhov complementam a dramaturgia, que apresenta três personagens – desempenhados pelos atores Raquel Albergaria, Juliana Martins e Mário César Camargo – enredados num conflito sem saída. “Foi uma pesquisa longa. Lendo a obra dele, fiz uma tessitura em dois quadros. ‘A Corista’ é o miolo, mas o espetáculo como um todo aborda as questões humanas, não fecha em nenhum assunto”, explica.

O ponto central é, de fato, destacar a questão da incomunicabilidade. “A característica principal da obra de Tchekhov, a meu ver, é que os diálogos são sobrepostos. Há perguntas e respostas, mas ninguém responde ninguém. No fundo, são monólogos eternos”, ressalta Zolini. “É um diálogo fundado linguisticamente na palavra, mas ninguém está se relacionando com ninguém. O que fala em Tchekhov são os silêncios e a encenação tenta trazer isso à tona: o silêncio, o não dito, o interdito. Parece que ele tem a capacidade de comunicar nossa dor, o desencontro desse precipício em que o humano vive, de achar que está sendo entendido, escutado, mas o que há é uma incompreensão geral”, dia Zolini. 

A construção cênica foi elaborada de modo minimalista. “É uma cena bem limpa, tudo foi feito assentado no trabalho dos atores, justamente pela dificuldade de percorrermos esse caminho, trabalhar o silêncio, a tensão, a verticalidade, a falência da palavra na organicidade desse silêncio que tenta falar, tenta gritar, mas fica solto no ar, não chega a lugar nenhum”, afirma.

Sobre hoje

É justamente nisso que reside a contemporaneidade do texto de Tchekhov, por mais que tenha sido escrito no século XIX. “O objetivo é saber que essa cela íntima, a relação dos casais intramuros espelha a atitude no mundo social. Assim como a coisa ampla reflete o particular de cada um. São espelhos, um bebe no outro. Num mundo de guerras, conflitos urbanos, essas coisas estão dentro da casa de cada um. A violência que vivemos no mundo permeia tudo, o particular e o geral”, diz.

Um paralelo com a situação do Brasil também e possível, como destaca o diretor. “A relação falida da palavra, dos homens um com o outro está nesse momento que vivemos. Parece que a mídia vem com uma coisa, as pessoas na rua acham outra, somos governados por um governo que não foi eleito, rege como quer, de cima pra baixo. Uma falência de tudo”, conclui.

Que Venha a Primavera – Páginas Tchekhovianas

CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários, 3431-9400). De 23 de março a 16 de abril. De sexta a segunda, às 19h. R$ 20 (inteira)

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