Ellen Andrade, 28, vai se casar no início de novembro com o engenheiro de software André Ponte Melo, 30. A cerimônia está praticamente toda organizada, mas ainda há um empecilho tirando o sono dos noivos. A recepção pós-casamento precisa obrigatoriamente acontecer em um restaurante “pet friendly” (termo em inglês que designa os espaços em que animais de estimação são bem-vindos). É exatamente um lugar assim que a professora busca. Afinal, nem pensar que Jacob vai ficar fora das celebrações.
“Fazemos questão que ele esteja no restaurante. Jacob é muito importante pra nós. Com ele, André e eu nos tornamos mais responsáveis, felizes e cuidadosos. Enfim, nos tornamos pessoas melhores. Inclusive, ficamos mais próximos um do outro”, afirma Ellen.
O desejo da noiva, no entanto, esbarra na dificuldade de tantos outros tutores de Belo Horizonte que é o de encontrar locais não só para caminhar, mas para sentar, comer ou beber algo acompanhado de seus pets.
Realidade já bastante consolidada em países como Estados Unidos e Inglaterra, a existência de serviços “pet friendly” no Brasil ainda engatinha. Em Belo Horizonte, não existem dados sobre a quantidade exata desse tipo de serviço, mas, conforme Lucas Pêgo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG), a oferta vem crescendo, podendo ser considerada mesmo uma tendência.
O diretor de marketing da ONG Rock Bicho Marcelo Gonzaga concorda. Ele ajudou a compilar, em março, uma lista de quase 30 espaços acessíveis a cães – não há registros para gatos – entre bares, cafés, restaurantes, shoppings e praças. Marcelo conta que, desde então, ele e seus voluntários já escutaram que há alguns outros que estão abrindo as portas para os pets.
Os donos dos estabelecimentos comerciais da cidade parecem estar atentos a uma demanda que é nacional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em junho deste ano, existem mais cachorros que filhos nos lares brasileiros. São 52,2 milhões de peludos contra 44,9 milhões de crianças até 14 anos. Diante desses números, não é de se estranhar que os tutores não abram mão da companhia de seus bichos em programa fora de casa.
Como não existe norma que obrigue as empresas a se declararem “pet friendly”, as informações a respeito dos lugares que aceitam bichos de estimação ainda correm muito no boca a boca. “Já liguei para um restaurante em que a pessoa me atendeu e disse que teria que ver com o gerente (a possibilidade de ela levar Jacob à festa). É sempre assim, um passando a responsabilidade para o outro”, conta Ellen, sobre a pendência envolvendo o casório. No entanto, ela, que costuma frequentar padarias, pizzarias e até shoppings na companhia de seu golden retriever, sente falta de mais opções fora da região Centro-Sul da capital.
Dicas
Foi pensando em ajudar pessoas como Ellen que a gaúcha Cris Berger lançou o livro “Guia Pet Friendly”. Com uma seleção de 40 ambientes classificados como “para comer e beber”, “para dormir”, “para fazer compras” e “para passear ao ar livre” que aceitam animais na cidade de São Paulo, ela já prepara o segundo volume no Rio de Janeiro. E adianta: planeja incluir a capital mineira na coleção.
“Dou dicas para o dono do cachorro sobre aquilo que o ambiente tem a oferecer e sou bem democrática. Existem opções para vários tipos de ocasião, partindo da ideia de que ser ‘pet friendly’ é aceitar e receber o animal e, não necessariamente, oferecer água e petiscos”, explica a jornalista e escritora, que já publicou mais de 25 livros com dicas de roteiros e viagens pelo mundo.
Habitué dos espaços “pet friendly” quando o termo ainda nem tinha sido adotado, Cris começou a se interessar pelo assunto motivada pela vontade de passar mais tempo com Cozumel, morto no fim do ano passado aos 12 anos (idade considerada alta para um cão).
Em seus últimos meses de vida, o cocker spaniel demandava a atenção da jornalista, que se via mais e mais impelida a passar o máximo de tempo possível ao lado dele.
Hoje, quem a acompanha nas visitas às casas do “Guia Pet Friendly” é Ella, uma shar pei de 1 ano e meio que é sempre alvo de afagos quando chega com a tutora em um restaurante ou bar diferentes. “Ninguém nunca veio reclamar comigo porque estava acompanhada de um cachorro. Pelo contrário, o ambiente se anima sempre que Ella está comigo. Todos querem demonstrar seu carinho”.
Cartilhas
Yoshi é outro que chama atenção por onde passa. O chow chow de 4 anos da fotógrafa Tielly Ogura tem uma vida agitada. A cada dois meses, eles vão para o Espírito Santo passear na casa do pai de Tielly e, enquanto estão em Belo Horizonte, gostam de descobrir locais para curtir juntos.
Aliás, os dois já experimentaram e aprovaram algumas pousadas da Região Metropolitana de BH, embora Tielly saiba que em uma delas só conseguiu ficar com Yoshi nas dependências porque era dia de semana, período em que há pouco movimento. “Por aqui, ainda não encontramos serviços desse tipo que sejam absolutamente ‘pet friendly’. Nos divertimos muito lá, claro, mas se fosse um fim de semana com mais gente, Yoshi não seria bem-vindo”, lamenta ela.
Já existe um selo que classifica o ramo hoteleiro segundo serviços e estrutura voltado para animais de estimação. O “Sistema de Classificação de Meios de Hospedagem Pet Friendly” foi criado pelo site “Turismo 4 Patas”, que tem um sistema de busca com diferentes filtros e que abrange todo o país.
Belo Horizonte ainda figura pouco nas listagens. Para Tielly, “uma dica legal para as empresas, como as pousadas e hotéis da cidade, seria a criação de cartilhas sobre as condições sob as quais eles recebem animais e sobre como querem que nos comportemos”.
Caroline Maciel, 27, da ONG Rock Bicho, também aposta no viés educativo. “Além do mais, os estabelecimentos podiam oferecer informações sobre a adoção responsável”, sugere.
Onde encontrar
Alguns sites ajudam os tutores a encontrar serviços pet friendly por todo o Brasil:
Turismo 4 Patas turismo4patas.com.br
Aqui Pode aquipode.com ONG
ONG Rock Bicho rockbicho.org/moda-e-comportamento/lugares-para-passear-com-seu-caozinho-em-belo-horizonte/
A ONG também está organizando uma lista de hotéis e pousadas pet friendly em BH e deve ser divulgada em breve.
Roteiro animal roteiroanimal.com.br
Guia Pet Friendly guiapetfriendly.com.br/
Sites como Trip Advisor e Booking também já possuem filtros de busca como “aceitam animais de estimação”
Para receber e servir bem
Carol Carvalho Ferreira, 26, não é muito de sair com Pongo. Já velhinho, o poodle de 15 anos não enxerga bem, é surdo e passa mal com frequência. Por isso, a estudante de publicidade evita ir a bares e restaurantes com o cão. No entanto, em uma das últimas vezes que resolveu se sentar em algum estabelecimento, ela passou por uma situação constrangedora. “A funcionária da lanchonete começou a falar na frente dos outros que eu não poderia estar ali e que tinha que ir embora”, lembra. Embora Carol estivesse sentada nas cadeiras da área externa do prédio, a presença de animais não era permitida no local.
De acordo com Lucas Pêgo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG), aceitar cães ou gatos é algo que depende da vontade do proprietário do local. A única legislação existente sobre o assunto apenas proíbe animais nas áreas internas dos estabelecimentos. “Para receber os bichos, é preciso ter uma área externa em contato com a via”, esclarece. Somente cães-guia podem entrar nos outros espaços, inclusive praças de alimentação.
Entretanto, para Pêgo, atentar-se para essa demanda do mercado pode ser uma boa maneira de atrair mais clientes e aumentar o faturamento.
Recentemente, o Ponteio Lar Shopping, na região Centro-Sul da capital, resolveu fornecer os chamados “dog car”, para facilitar o momento de compra de quem não dispensa a companhia do peludo e não incomodar quem não quer esbarrar nos bichos nos corredores.
De acordo com o gerente de marketing Luiz Sternick, os carrinhos são projetados para cães de pequeno porte e disponibilizados gratuitamente. Raças de guarda, como rottweiler, pitbull e pastor alemão, não podem entrar. Coletor de dejetos também são disponibilizados pelo espaço, um dos poucos shoppings “pet friendly” de Belo Horizonte, ao lado do Pátio Savassi.
Adendos
Potinhos d’água, petiscos e até caminhas são regalias fornecidas por alguns bares e restaurantes, mas não é a regra. Isso depende muito das condições do lugar. O restaurante Café com Letras, na Savassi, é um dos que se preocupam com uns agrados. Mas, de acordo com a gerente Andrine Teodoro, a clientela de quatro patas veio aparecendo por acaso, atraída pelas mesinhas na calçada. “Não fizemos esforço para ganhar esse título ‘pet friendly’, mas sempre recebíamos bem os bichos que nossos clientes traziam”, conta.
Já no Chá Comigo, no bairro Santo Antônio, aceitar animais sempre foi uma proposta, desde o início. Com uma varanda na porta, a ideia é que tutores e bichos possam socializar, sem muitas restrições.
“O pessoal não traz gato porque imagino ser mais difícil, mas aí fica a cargo de cada um. A ideia é que aqui permaneça aquele clima de casa da gente”, comenta a proprietária Laura Damasceno. Resta então, o bom senso dos clientes.
Confira ao lado algumas dicas sobre como se comportar em ambientes “pet friendly”.
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