Se 2018 representou a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência e o fortalecimento de seu partido, o PSL, o período eleitoral do ano passado também atestou a forte crise pela qual passam centro e centro-direita, representados pelos tradicionais PSDB e MDB, protagonistas de outrora que caíram no descrédito da população.
Pulverizados pela polarização PT-PSL, as duas legendas tiveram votações pífias na disputa pelo Palácio do Planalto e também sofreram derrotas significativas no Congresso Nacional, onde perderam dezenas de cadeiras tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado.
“A atual crise é da centro-direita, historicamente representada pelos dois partidos, que perderam espaço para a extrema direita”, afirma o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Paulo Roberto Figueira Leal.
Para o acadêmico, o enfraquecimento do centro e da centro-direita não é um fenômeno brasileiro, “é uma radicalização em dimensões diferentes, mas acontece em vários países, como Estados Unidos e França, e tem a ver com a internet e com os ciclos da política”.
Figueira explica que, com as redes sociais, as instituições perderam o poder da intermediação com a sociedade, e isso afeta os partidos políticos.
Motivações
Além da Lava Jato e da crise de representatividade da dupla, Figueira Leal argumenta que PSDB e MDB erraram na estratégia de patrocinar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, já que seriam naturalmente beneficiados com a baixa popularidade da petista. Outro fator que pode explicar esse desgaste é que o governo de Michel Temer (MDB), apoiado pelos tucanos, terminou o mandato extremamente impopular.
De acordo com a cientista política Maria do Socorro Braga, o enfraquecimento do centro é prejudicial ao debate público, já que, quando esse campo se encolhe, a tendência é a discussão política se tornar mais polarizada e, em muitos casos, mais superficial.
“Uma via é que eles moderem esse debate e tentem mostrar uma terceira alternativa, o caminho do meio. Serão PSDB e MDB quem farão isso, ainda que eles tenham ido mais para a direita ao longo dos últimos anos. Esses dois partidos serão muito importantes para balancear os extremos”, avalia.
“O tsunami de 2018 mudou tudo”, diz o membro da executiva nacional do MDB Mauro Lopes, que também é deputado federal. Segundo ele, a Lava Jato, que condenou os principais nomes da legenda, é um dos motivos pelos quais o partido perdeu força nos últimos anos. “Quem não está preso está condenado”, afirma.
“Em 2018, tivemos a maior derrota da nossa história, o centro político foi dizimado. O cidadão, em geral, não gosta de radicalismo, e o centro ficou espremido entre dois extremos. Teremos, agora, o papel de recriá-lo e reorganizá-lo, mas essa missão não será apenas nossa”, diz o secretário geral do PSDB e ex-deputado federal, Marcus Pestana.
O tucano diz que o avanço de Jair Bolsonaro e do PSL enfraqueceu, de fato, o centro e a centro-direita, mas os partidos, de acordo com o ex-deputado, não são adversários no mesmo campo político: “O Bolsonaro representa a extrema direita. Ele soube preencher um espaço, foi uma oportunidade histórica”.
Apesar de concordar com o fator PSL, Mauro Lopes afirma que o partido não terá fôlego para se colocar como protagonista no jogo político. “O PSL está desarticulado, é uma ilusão tremenda. Os eleitores estão entusiasmados com o Bolsonaro, que até hoje não sabe a que veio”, decreta.
Narrativa antipolítica foi decisiva na urna
Para a cientista política Maria do Socorro Braga, o recente discurso que reduz a importância das legendas como interlocutores da sociedade atingiu em cheio MDB e PSDB. “Há uma tentativa de setores da sociedade de colocar os partidos como se todos fossem iguais, junto com uma tentativa de quebra das instituições democráticas”, afirma.
Para Paulo Roberto Figueira Leal, a narrativa antipolítica é determinante para explicar os revezes das siglas: “Se você analisar em termos proporcionais, PSDB e MDB são os que mais perderam parlamentares. Os maiores atingidos foram esses dois partidos”.
Sobre o futuro e uma possível aliança com o governo Bolsonaro, Maria do Socorro pondera que nenhuma das duas legendas sabe com clareza se abraça o projeto do governo. “Há um grupo no PSDB, por exemplo, que tende a apoiar, mas a ala mais antiga do partido não quer. Até o MDB, que sempre foi mais fisiológico, não sabe ao certo para onde vai nesse sentido”, diz.
ENTREVISTA
Maria do Socorro Braga
Cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSca)
As eleições de 2018 foram determinantes para que MDB e PSDB chegassem a essa situação de crise?
O auge desse desgaste foi em 2018, mas 2016 já indicava a queda. O PSDB foi o que mais perdeu. A eleição de 2018 demonstrou que ambas as legendas estão mesmo em decadência. Falta uma militância forte aos dois partidos. Estamos em um momento em que as grandes legendas vão ter que se readaptar e se reconstruir para atuar nessa nova conjuntura. Nesse sentido, PSDB e MDB estão com muita dificuldade. O enfraquecimento dos dois partidos tem um elemento em comum: a atuação da Lava Jato nas grandes legendas. PSDB e MDB foram muito atingidos. Além disso, tem uma somatória de fatos, como o desencantamento da população com as siglas tradicionais e uma narrativa de antipolítica que os atinge muito forte.
Há uma receita para esses partidos recuperarem a força que tinham em outros tempos?
É importante sinalizar que esses partidos precisam se readaptar e ser mais programáticos, propor alternativas. Isso traz credibilidade às legendas. Hoje, o eleitor cobra muito mais da classe política. MDB e PSDB precisam de renovação do quadro de lideranças, ter mais mulheres e jovens participando das decisões, dialogar mais com movimentos sociais e setores que ainda não conseguiram entrar no jogo político. As duas legendas sabem como funciona a máquina governamental, é hora de mostrar que eles têm força – não é à toa que ficaram anos e anos se revezando no poder.
A ascensão do PSL prejudicou esses dois partidos?
A ascensão da legenda se deve muito às redes sociais e ao descrédito da população com os partidos de centro-direita. O PSL também usou muito bem o discurso contra o PT, contra a velha política, e isso atinge, obviamente, MDB e PSDB. A ideia era que o eleitor não podia eleger o comunismo do PT, essa ideia absurda, nem políticos corruptos. Em cenários como esse, de crise econômica, propostas populistas como as do PSL se frutificam muito forte. No entanto, o PSL não é nada. Se comparado aos partidos tradicionais, ele não tem estrutura.