A construtora Andrade Gutierrez encomendou duas perícias grafotécnicas para tentar contraditar um laudo que aponta a falsidade da assinatura do ex-prefeito Osvaldo Franco numa confissão de dívida que deu lastro a um precatório de R$ 480 milhões cobrado pela empreiteira da Prefeitura de Betim. Os trabalhos são assinados por dois peritos conhecidos por prestarem serviços a políticos que tentam se livrar de acusações.
Uma das perícias em questão é do polêmico Ricardo Molina, famoso por atuar em casos em que há divergência de laudos entre vários peritos. Foi o que ocorreu, por exemplo, no episódio da morte do ex-tesoureiro de Fernando Collor, Paulo César Farias, e, mais recentemente, no caso da gravação da conversa entre o ex-presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista. No último, Molina foi contratado por Temer, que buscava desmentir as provas da Procuradoria Geral da República (PGR) na investigação de suposta corrupção em seu governo. Por isso, o perito é, muitas vezes, acusado de fazer laudos tendenciosos. Além disso, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (ANPCF) questiona o fato de ele se apresentar como perito criminal. Conforme realçou a associação no episódio do laudo de Temer, Molina é assistente técnico especializado em fonética e elabora seus pareceres de acordo com os interesses da parte que o contratou, enquanto o perito criminal é obrigado, por lei, a ser imparcial e equidistante das partes.
Além do documento de Molina, a Andrade Gutierrez apresenta um laudo do instituto Del Picchia, que ficou famoso por ter sido utilizado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar desqualificar provas da Lava Jato. A tentativa de Lula acabou, até então, sempre fracassando na Justiça.
As peças que vem sendo divulgadas nos bastidores pela Andrade Gutierrez já foram analisadas pelo procurador do município de Betim, Bruno Cypriano, e pelos técnicos que o assessoram no enfrentamento da ação movida pela construtora contra a cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.
Segundo Bruno Cypriano, a perícia passa longe de apresentar fundamento para validar a assinatura do ex-prefeito. A tese é que o traço gráfico tem continuidade apesar de divergir nas inclinações curvas e em outras características, por exemplo. Mas, para o procurador, o laudo não tocou em momento algum em outras graves provas de falsidade nos documentos, como na assinatura do então secretário José Dirceu da Silveira, que é identificado incorretamente como José Dirceu Oliveira, a falta de assinatura nas autenticações cartoriais e, ainda, nas rubricas que constam das seis páginas do reconhecimento da dívida.
No caso das rubricas, elas são muito divergentes, e nenhuma delas se aproxima minimamente da assinatura do então prefeito Osvaldo Franco ou do ex-secretário da Fazenda José Dirceu da Silveira, que já afirmou não ter participado da feitura do documento.
Ao ajuizar a ação para cobrar a suposta dívida, a Andrade Gutierrez levou à Justiça o suposto contrato falsificado, sem ter apresentado seu original em nenhum momento.
A cópia xerográfica tem trechos e parágrafos suprimidos e não apresenta alinhamento nem simetria. Há também indícios de sobreposições.
Diante do caso, o procurador Bruno Cypriano aposta que os laudos contraditórios e falhos “darão mais condições de mostrar o modus operandi da construtora”, conhecida da Justiça por conta das diversas acusações que lhe são imputadas no esquema conhecido como “petrolão”, desbaratado pela operação Lava Jato.