ALMG

Atraso em cumprir acordos desgasta relação entre base e governo Zema

Insatisfação de deputados com lentidão do governo em cumprir promessas, desde indicações de cargos até de recursos, feitas quando Igor Eto ainda era secretário, reflete diretamente em votações

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 06 de outubro de 2023 | 07:00
 
 
 
normal

As dificuldades do governo Romeu Zema (Novo) em aprovar pautas caras na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) têm sido provocadas pelo atraso em cumprir acordos com os deputados da base. A lentidão em honrar compromissos, como, por exemplo, a indicação de recursos e cargos em superintendências, gerências e coordenadorias regionais, aos poucos aprofunda o incômodo dos deputados. Em contrapartida, a insatisfação reflete até em dificuldades em garantir quórum em plenário para votações. 

Os acordos teriam sido firmados ainda pelo ex-secretário de Governo Igor Eto (Novo) em busca de fidelizar o apoio de deputados, como, por exemplo, à candidatura do deputado Roberto Andrade (Patriota) à presidência da ALMG, que, fiada principalmente por Eto, gera cobranças ao atual secretário Gustavo Valadares (PMN) apesar de ter sido mal-sucedida. Além do apoio a Roberto, há compromissos para votações ainda do 1º semestre, como para derrubar a emenda para autorizar uma recomposição salarial às forças de segurança.   

À época, a recomposição, uma resposta à proposta para aumentar em 300% os salários de Zema, do vice-governador Mateus Simões (Novo) e dos secretários, foi derrubada em plenário com uma diferença de apenas cinco votos - foram 35 contrários e 30 favoráveis. Sob reserva, um deputado afirmou a O TEMPO que, até agora, o governo não indicou os recursos prometidos. “Eu te garanto que o governo ainda tem compromisso para cumprir com todos os deputados. Muitos estão cobrando agora”, acrescentou.

Outro parlamentar, que também pediu discrição, disse que o governo Zema ainda não entregou, por exemplo, uma obra por ele indicada em uma escola estadual. “Está no forno, mas em fogo baixo. Eu prefiro que esteja em fogo alto e me servir queimando do que esteja em fogo baixo e eu coma cru”, comparou. “Acho que o que está gerando ansiedade nos deputados é que estamos falando de 90 dias (para o governo cumprir os acordos). Com um novo ano vem novos compromissos”, alertou.

Inclusive, os deputados, receosos de que os acordos pudessem ser descumpridos pelo governo, já haviam ligado o alerta quando Eto caiu no fim do último mês de junho. Quando estava à frente interinamente da Secretaria de Governo durante a transição entre Eto e Valadares, o vice-governador Mateus Simões (Novo) teria garantido aos parlamentares em uma reunião no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) que os compromissos seriam honrados.  

Questionado, Valadares afirmou que o governo está cumprindo todos os acordos com os deputados. “Mas não tem como cumprir tudo de uma vez, porque é humanamente impossível que seja feita uma mão de obra para que isso se resolva de um dia para o outro”, defendeu. “Você tem que respeitar a naturalidade com que as coisas andam. Não tem como fazer com um estalar de dedos. Então, as coisas estão caminhando. Não tem nada fora do lugar. Tudo o que foi combinado está sendo cumprido”, reiterou.

Sem resposta. Eto, que, desde o início de setembro, está acomodado no governo Zema como assessor da vice-presidência do BDMG, foi procurado para se manifestar, mas, até a publicação desta reportagem, não retornou os contatos. O espaço permanece aberto, e, tão logo o ex-secretário de Governo se manifeste, o posicionamento será acrescentado. 

Deputados se queixam de falta de reconhecimento

Além do atraso em cumprir acordos, o tratamento dispensado pelo governo Zema tem irritado alguns deputados. A insatisfação foi exposta de vez durante a tramitação da proposta para retomar a cobrança do ICMS adicional de dois pontos percentuais sobre bens considerados supérfluos. Quando o texto foi aprovado em 1º turno, os deputados Eduardo Azevedo (PSC) e Arnaldo Silva (União), que votaram contra a retomada do ICMS adicional, explicitaram o incômodo em plenário.    

Eduardo, por exemplo, afirmou que o governo teria escancarado as portas para deputados da oposição apesar de o bloco ter obstruído votações importantes, como, por exemplo, do pré-requisito para a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Então, governo, o que você está querendo? Você quer valorizar as pessoas que andam com você ou vai literalmente virar capacho? Mulher de malandro da oposição? (...) Governo, você está acabando de perder o respeito nosso”, disse. 

Questionado pela reportagem logo após o discurso, Eduardo explicou que o que lhe incomodou foi uma visita da deputada Lohanna (PV), sua adversária em Divinópolis, onde ele é majoritário, ao vice-governador Mateus Simões (Novo) no último mês de agosto. Ela foi acompanhada pelo prefeito de Itaúna, Neider Moreira (PSD), e pelo presidente estadual do PSD e líder do bloco de governo na ALMG, Cássio Soares (PSD). Lá, uma das pautas foi a regionalização da Delegacia de Polícia Civil de Itaúna, que, segundo o deputado, ele já havia levado até a chefe da Polícia Civil, Letícia Gamboge.

Procurado, Cássio, por outro lado, afirmou que, durante toda a sua trajetória, defendeu que todos os deputados sejam respeitados pelo governo independentemente de serem da base ou da oposição. “Afinal, todos foram eleitos como representantes da população. Lamento profundamente a incompreensão do deputado Eduardo, que se coloca como base e muitas vezes vota contra o governo, mas, ainda sim, respeito a posição diversa de todos os deputados", completou o líder do bloco do governo.

Já Arnaldo, que, a propósito, é presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da ALMG, apontou que o problema seria a “essência” do governo Zema, o que, segundo ele, não se muda. “Pode-se mudar algumas peças do governo achando que, com isso, tudo se resolve, mas a essência continua a mesma. É a essência de um governo que está nem aí para todos nós, de um governo que não quer o diálogo, que não quer respeitar o trabalho de cada um dos deputados”, criticou ele, que, ao ser questionado em seguida se teria rompido com o governo, negou.

Governo admite. Valadares, por sua vez, admitiu que o governo precisa melhorar a relação com os deputados. “Todo dia eu vou ter um problema de relacionamento do governo com o deputado ou do deputado com o governo. Isso vai acontecer sempre, porque é uma relação que é construída e solidificada dia a dia. É uma relação que vai ter erro de um lado e do outro, vez ou outra, vai acontecer. O meu papel é tentar minimizar esses erros e tentar minimizar ou amenizar o desgaste de um lado e de outro”, ponderou.

Assim como o secretário, o líder de governo, João Magalhães (MDB), reconheceu as insatisfações dos deputados da base e disse que o governo já as mapeou. “Estamos buscando aparar as arestas para reaglutinar a base (após a votação do ICMS adicional sobre supérfluos). Conversei com o governador e com o vice-governador para participar ativamente do jogo político”, resumiu o deputado, que sucedeu justamente Valadares na liderança de governo.

PEC do fim do referendo vai precisar de quórum qualificado

A insatisfação dos deputados da base com os acordos e o relacionamento volta à tona às vésperas do início da tramitação de propostas prioritárias para o governo, como, por exemplo, a adesão ao RRF, que precisa ser aprovada pela ALMG até 20 de dezembro, e o fim do referendo constitucional para autorizar a privatização da Cemig e da Copasa, que, ao contrário da primeira, precisa de quórum qualificado para ser aprovado, ou seja, 48 votos. 

Apesar de o governo já ter reunido o quórum para aprovar a transferência do Detran para a Secretaria de Planejamento e Gestão, parte dos deputados acredita que, hoje, não haveria o número de votos para aprovar o fim do referendo. “Qualquer projeto do governo que deveria passar sem dificuldades se torna uma tempestade em copo d’água. Enquanto isso, projetos que mostrariam a que o governo veio, como o RRF e as privatizações, sequer são pautados”, aponta outro deputado, que pediu para ser preservado.

Na última quinta-feira (28/9), o ICMS sobre bens supérfluos foi aprovado por apenas quatro votos de diferença. Apesar de interlocutores argumentarem que a margem é maior, já que nove presentes não votaram, o governo poderia ter enfrentado mais dificuldades caso quatro dos 20 deputados do bloco de oposição tivessem comparecido, o que levaria o Palácio Tiradentes a, no mínimo, convencer um dos que se abstiveram a votar a favor da proposta.

Questionado sobre a dispersão da base, Valadares rebateu e apontou que todas as propostas encaminhadas pelo governo Zema foram aprovadas. “Todas”, reiterou. “Todas, sem nenhuma exceção. Inclusive, as mais espinhosas. Onde é que está o problema? O governo ganhou a votação”, acrescentou o secretário, que voltou a afirmar que a relação entre Executivo e Legislativo mudou em qualquer lugar. “O Lula está se mantendo com 100% de aproveitamento no Congresso Nacional?”, contestou. 

Porém, o secretário de Governo reconheceu que os compromissos em aberto e as queixas dos deputados sobre a relação com o Palácio Tiradentes o preocupam para a votação do fim do referendo popular. “A PEC precisa de 48 votos sim no painel, então vai exigir um trabalho muito maior. Mas nós vamos correr atrás desses votos. Vamos correr e vamos conseguir. Vai chegando perto de uma votação e eu tenho que ter os votos para ganhar aquela votação. Se eu ganhei de 1 a 0, com gol de mão que foi validado, pra mim está valendo”, disse.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!