A cultura é inimiga de Jair Bolsonaro e da extrema direita. Ataques a artistas, produções culturais e mecanismos de fomento são estratégias da onda conservadora para criar clima de “nós x eles”, que busca, não sem resistência, implantar a censura como política de governo.
A extinção do Ministério da Cultura veio no bojo da redução drástica de recursos e como prenúncio da declarada guerra cultural de Bolsonaro e seus apoiadores. Acompanhamos as sucessivas trocas no comando da Secretaria Especial da Cultura e o apagão nas políticas culturais, provocado por um caos administrativo sem precedentes.
Em meio à crise sanitária e ao descaso do governo com a saúde, a cultura também sangrou. Sofreu o luto, perdeu trabalhadores e viu sua potente economia definhar em um cenário em que a manutenção das atividades públicas poderia custar a perda de numerosas vidas. Ainda hoje, quando a pandemia parece arrefecer, são muitos os desafios para a retomada.
Nossa atuação como titular na Comissão de Cultura da Câmara Federal esteve atenta a todos esses ataques. Debatemos exaustivamente o desmonte de políticas, instituições e mecanismos públicos de fomento, em busca de alternativas à destruição. Não havia qualquer expectativa de que o governo atendesse o setor de forma emergencial. O descaso é a tônica da atuação bolsonarista.
Esse contexto devastador levou à articulação de parlamentares de diversos partidos, incluindo nosso mandato, para uma resposta: a criação da Lei Aldir Blanc, como medida de emergência para proteger a cultura brasileira da irresponsabilidade do governo Bolsonaro na pandemia. A mobilização resiliente de movimentos e de agentes do setor cultural, com intensa reverberação no Congresso, levou à aprovação dessa lei histórica.
Essa conquista inspirou a elaboração de nova medida de socorro aos agentes culturais que seguem padecendo com as consequências da pandemia: o Projeto de Lei Paulo Gustavo, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-AC) e batizado em homenagem ao ator morto pela Covid. Aprovada pelo Congresso, a proposta recebeu o veto de Bolsonaro na última semana. Estamos confiantes e mobilizadas para que mais esse ato de descaso do governo seja derrubado pelo Parlamento, para que os R$ 3,8 bilhões, que são do Orçamento da Cultura e não podem ser aplicados em outras áreas, cheguem para uma nova rodada de fomento emergencial aos trabalhadores da cultura.
Todo esse percurso reforçou a importância dos mecanismos de transferência descentralizada de recursos do fomento à cultura para Estados e municípios, que podem se tornar uma política perene com a aprovação da Lei Aldir Blanc 2, de autoria de Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Ainda perduram, porém, desafios estruturantes relacionados à gestão desses mecanismos, pois estão submetidos a regras que desconsideram particularidades do setor e impõem aos agentes culturais entraves jurídicos que reduzem drasticamente seu acesso, especialmente aos fazedores da cultura popular, negra, periférica e de povos e comunidades tradicionais. Em tempos de tanto retrocesso, buscamos energia nas expressões culturais que pulsam em todos os cantos do Brasil para enfrentar o desafio propondo o PL 3.905/2021, que visa estabelecer o Marco Regulatório do Fomento à Cultura.
Numa construção conjunta com os mandatos de Benedita da Silva (PT-RJ) e Túlio Gadêlha (Rede-PE), apoiada por diversos parlamentares, essa proposta é resultado de debates entre agentes culturais, gestores de cultura e especialistas em direito da cultura e oferece uma “caixa de ferramentas” que cria um regime jurídico exclusivo para a implementação das políticas de fomento cultural. Assim, possibilitará que a administração pública, agentes, grupos, movimentos e espaços culturais atuem de acordo com as especificidades do setor, com efetividade, modernização de instrumentos, zelo com o recurso público e pluralidade. Uma legislação pretende, entre outras coisas, reduzir o excesso de obstáculos burocráticos recorrentes na realização de editais e projetos culturais.
Nosso compromisso acompanha a força resistente e mobilizadora da cultura brasileira sobrevivendo a tantos ataques. Seguimos em articulação no Parlamento e com agentes culturais para proteger as conquistas históricas contra os desmandos autoritários do governo Bolsonaro e lutando por políticas estruturantes que possam incluir cada vez mais gente no acesso aos mecanismos públicos de fomento cultural.