Documentos encontrados no arquivo morto da Prefeitura de Betim apontam que a suposta dívida de R$ 500 milhões, que a construtora Andrade Gutierrez cobra do município, não existe. A afirmação é do procurador geral de Betim, Bruno Cypriano. Segundo ele, entre as 50 caixas de documentos sobre o assunto encontradas, um extrato assinado em 1985 comprova que o município pagou, em quatro anos, mais que o dobro do valor devido por obras realizadas há mais de 30 anos no município.
Com isso, a prefeitura quer agora o ressarcimento dos valores pagos a mais à empreiteira e estipulação de uma indenização por danos morais.
Os papéis exibidos por Cypriano, mostram o rol de todos os pagamentos feitos à Andrade Gutierrez, notas de empenho, duplicatas e recibos da construtora, além de datas e valores das quitações. Toda a documentação já foi juntada ao processo que pede a suspensão da dívida e que aguarda decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
O procurador explica que o valor total do contrato, firmado em 1979, é de Cr$ 1,05 bilhão, ou R$ 28 milhões, em valores atuais, de acordo com a conversão da tabela do TJMG. Os documentos comprovam que a Prefeitura de Betim executou pagamentos da ordem de R$ 56,2 milhões, em valores atuais, entre os anos de 1980 e 1982 e entre 1984 e 1985. Não há registro de pagamentos em 1983.
“Pode ser que a prefeitura tenha pagado até mais, mas foram os pagamentos que encontramos, e eles não deixam dúvida de que não existe dívida”, atestou o procurador geral do município. A cobrança da dívida de R$ 500 milhões surgiu em 1982, quando o então prefeito Osvaldo Franco assinou uma confissão de dívida de Cr$ 709 milhões.
Mais tarde, em 1991, o então prefeito Ivair Nogueira também assinou um termo admitindo o débito do município com a Andrade Gutierrez. Nogueira, que hoje é deputado estadual pelo PMDB, nega acusações de que teria recebido terrenos da construtora na ocasião.
“Como que a prefeitura paga Cr$ 930 milhões de uma dívida de Cr$ 1,05 bilhão, e ainda sobra uma dívida de Cr$ 709 milhões? É impossível, matematicamente. Por aí, vemos que toda a dívida foi constituída e foi formada por meio de má-fé”, afirmou Bruno Cypriano.
Ressarcimento. Com todos os documentos juntados à ação civil pública em tramitação, o procurador se prepara agora para ajuizar uma ação contra a Andrade Gutierrez pedindo o ressarcimento do valor pago a mais pela dívida, além de indenização por danos morais e patrimoniais. “Vamos querer saber também o motivo de termos pago R$ 56 milhões por um contrato de R$ 28 milhões. Queremos saber de onde saiu essa conta que dobra”, disse Cypriano.
O procurador criticou ainda a omissão das antigas gestões, que agiram com leniência junto à construtora, gerando danos ao contribuinte. “Com oito meses de governo, estamos comprovando que a dívida não existe. Eles tiveram mais de 20 anos para fazer. Então, a omissão talvez seja a menor das faltas que poderíamos atribuir a eles”, frisou.
O débito cobrado pela Andrade Gutierrez é referente a obras de saneamento que teriam sido realizadas na cidade da região metropolitana. As intervenções eram parte do projeto Cura, um antigo programa do governo federal, pago à época pela Caixa Econômica Federal. A Prefeitura de Betim conseguiu impedir a cobrança da dívida em primeira instância, mas uma decisão de uma desembargadora do TJMG derrubou a liminar e validou a dívida novamente. O município recorreu e aguarda nova decisão.
Ao ataque
“A Andrade Gutierrez agora começou a se esforçar, a querer comprovar que fez mesmo as obras no município de Betim. Até então, só respondiam que a prefeitura confessou e era coisa julgada. Mas nos últimos dias, na última contraminuta do agravo interno, a construtora juntou foto, identificou onde as obras estavam, um esforço hercúleo para comprovar, porque já sentia que nós estávamos chegando perto de descobrir.”
Bruno Cypriano
Procurador geral de Betim
A cobrança de supostas dívidas por obras antigas é uma prática da Andrade Gutierrez que vem se repetindo em todo o país, como afirmou o procurador geral de Betim, Bruno Cypriano. “É um modus operandi. A construtora é a única do país que vive de receber precatórios”, disse.
Em outros Estados brasileiros, a empreiteira – envolvida em esquemas de corrupção revelados pela operação Lava Jato – tem exigido pagamentos por antigas obras que diz ter feito há décadas também em Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Amazonas.
“O caso de Campo Grande é exatamente a mesma coisa. O prefeito reconhece uma dívida que não existe, só que lá eles tiveram a sorte de ter uma defesa técnica. E o município conseguiu desconstituir a dívida, que não existia”, contou Bruno Cypriano.
Em Mato Grosso, o Estado é que detinha precatórios com a Andrade Gutierrez. Depois, ficou comprovado não haver base legal para a cobrança. “Foram precatórios criados. E lá o grupo do governador pagou os precatórios e recebeu um valor de estorno”, explicou o procurador, que destacou ainda casos semelhantes em Alagoas e no Amazonas.
“Parece que, inclusive, em Manaus, o valor cobrado é quatro vezes o valor da obra. Quer dizer: pagou-se quatro vezes a obra, e eles ainda estão cobrando. Aqui, pagamos duas vezes”, disse ele.
Belo Horizonte também tem um exemplo da cobrança de dívida pela Andrade. Em 1993, a Câmara Municipal instaurou uma CPI para apurar suspeitas de superfaturamento em obras. Ao final da investigação, a prefeitura da capital rescindiu contrato e refez processos licitatórios. O ex-prefeito Célio de Castro foi posteriomente cobrado por dívidas antigas e usou o resultado da CPI para negociar valores de desconto com a Andrade Gutierrez.
Betim. Se tiver que pagar os R$ 500 milhões cobrados pela Andrade Gutierrez, a Prefeitura de Betim terá um gasto mensal com precatórios que aumentará de R$ 1,3 mi para R$ 13 mi.
FOTO: Alex de Jesus – 26.7.2017 |
População de Betim já fez diversos protestos contra a Andrade Gutierrez, por conta da cobrança milionária |
A Câmara dos Deputados vai debater, na quinta-feira (14), a suposta dívida de R$ 500 milhões que a Andrade Gutierrez cobra de Betim. A audiência pública, que foi solicitada pelo deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PR-MG), será realizada pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara, às 9h30.
Foram convidados para participar da audiência em Brasília o prefeito de Betim, Vittorio Medioli, o procurador geral do município e secretário municipal de Governo, Bruno Cypriano, o presidente da Câmara Municipal de Betim, Léo Contador (DEM), além de representantes da Andrade Gutierrez. O objetivo da audiência é debater os indícios de irregularidades e fraude que cercam a cobrança.
“Na audiência, iremos expor os casos semelhantes de outros Estados, até porque esse é um assunto nacional, não é restrito ao Estado de Minas Gerais”, afirmou Cypriano.
Comissão. Em agosto, a assessoria técnica da Câmara aprovou Proposta de Fiscalização e Controle para investigar a dívida de Betim também na Comissão de Desenvolvimento Urbano.