Contas

Betim recorrerá ao STJ contra bloqueio de R$ 48 milhões

Município tenta impedir que dinheiro saia dos cofres públicos para as contas da Andrade Gutierrez

Publicado em 19 de outubro de 2019 | 03:00

 
 
normal

A Prefeitura de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, ingressará, na próxima segunda-feira, com um agravo de instrumento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) requerendo a suspensão do bloqueio de R$ 47,8 milhões das contas do município a partir do próximo dia 5. A ação da prefeitura ocorre após o órgão especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ter indeferido ontem o pedido de suspensão do bloqueio requerido pelo município por meio de um mandado de segurança. Esse valor é referente a uma cobrança que a empreiteira Andrade Gutierrez (AG), investigada em operações por crime de corrupção, cobra da cidade por meio de precatório, cujo total chega a quase R$ 500 milhões.

O bloqueio do valor de R$ 47,8 milhões foi determinado pelo coordenador de Assessoria dos Precatórios (Asprec) do próprio TJMG. Essa ação levou a prefeitura a decretar estado de calamidade pública financeira e orçamentária em Betim, no último dia 9. Assim que foi notificado, o município ingressou com mandado de segurança pedindo a suspensão do bloqueio no TJMG, mas o pedido foi indeferido ontem.

Em sua decisão, o desembargador Alexandre Santiago justificou que não vislumbra “presentes todos os requisitos necessários ao deferimento da medida”, além de acrescentar que não houve ilegalidade no ato do bloqueio.

“Ingressaremos com agravo de instrumento no STJ para que esse bloqueio possa ser suspenso. Nesse novo pedido, acrescentamos algumas questões, como a jurisprudência do próprio TJMG, que deu ganho de causa ao governo de Minas quando este reteve os repasses constitucionais dos municípios. Na época, as prefeituras ganhavam em primeira instância para terem as verbas liberadas, mas o Estado revertia no tribunal alegando que, se houvesse o bloqueio dos recursos do Estado, as contas estaduais poderiam ficar inviabilizadas. A mesma situação acontece agora. As contas de Betim sofrerão um colapso caso o bloqueio for mesmo realizado. O que está em questão é o interesse público do município em atender a população frente ao interesse de uma empresa, ou seja, o tribunal está atendendo o interesse privado dos proprietários da AG em detrimento do interesse público de todos os cidadãos de Betim”, explicou o procurador geral de Betim, Bruno Cypriano.

De acordo com a Prefeitura de Betim, o “sequestro” de R$ 47,8 milhões, previsto para o próximo dia 5, causaria o caos na oferta de serviços públicos na cidade. Segundo o município, os cofres da administração já sofrem com R$ 82 milhões em dívidas, que se somam aos R$ 277 milhões retidos pelo governo do Estado desde setembro de 2018, além da perda de R$ 530 milhões de Imposto sobre Circulação de Serviços e Mercadorias (ICMS), já que a cidade perdeu 40% de sua cota referente à distribuição do ICMS para os municípios.

“Esse bloqueio inviabiliza completamente as contas municipais, que já estão em calamidade. O salário dos servidores ficará totalmente comprometido, e a prestação dos serviços públicos na saúde, educação, limpeza urbana, assistência social, também”, completou Cypriano.

O procurador ainda enfatizou que o município tem sido prejudicado pelo surgimento de várias novas dívidas. “Nessa semana, chegaram mais dois novos precatórios, um no valor de R$ 44,9 milhões e outro de R$ 10,7 milhões.

Além disso, Betim já começou a ter bloqueado de seus repasses um valor de R$ 5,8 milhões referente a um erro de distribuição de ICMS para a cidade de Uberlândia, que vai totalizar mais R$ 58 milhões retirados do município. Somando tudo isso às retenções do Estado e ao bloqueio previsto, a situação fica insustentável”, ponderou.

Dívida com a AG é contestada

A cobrança do precatório pela Andrade Gutierrez (AG) contra Betim é fruto de obras que a empreiteira realizou há quase 40 anos na cidade, sendo a principal delas o viaduto conhecido como Jacintão. Em 1982, o então prefeito de Betim, Osvaldo Franco, reconheceu, ao término do contrato, que haveria um resto a pagar de R$ 5,7 milhões, em valores corrigidos. Porém, documentos da prefeitura comprovam que, entre 1984 e 1985, o município pagou cerca de R$ 34 milhões à empresa, um montante de R$ 28,99 milhões a mais que o valor reconhecido em 1982. 

Já em 1991, a Andrade Gutierrez obteve outro reconhecimento de que haveria ainda um dívida do município com a empresa, que teve a assinatura do então prefeito Ivair Nogueira. A partir desse reconhecimento, a empreiteira ingressou na Justiça cobrando essa suposta dívida, e o processo transitou em julgado em 2011, com ganho de causa para a Andrade Gutierrez. 

“O que aconteceu é que, durante os anos do processo, o município não foi defendido tecnicamente. As administrações deixaram o processo acontecer, mesmo sem haver objeto da cobrança. Inclusive, a prefeitura fez auditorias, uma realizada pelo Tribunal de Contas da União, que comprovaram que o município pagou a mais pelas obras e que é a empresa que deve para Betim. Há quatro ações na Justiça e uma ação popular que contestam a cobrança e que pedem a devolução do que foi pago a mais”, acrescentou Cypriano.

Medidas duras para enfrentar a crise

Por causa da ameaça do bloqueio milionário, a Prefeitura de Betim anunciou uma série de ações que visam intensificar os cortes de despesas e incrementar as receitas. Entre as medidas anunciadas estão a proibição de horas extras, flexibilização e adequação de jornadas em áreas não essenciais. Segundo o município, elas só serão autorizadas após pedido prévio das secretarias, que deve vir assinado pelo prefeito ou pelo secretário de Governo.

O concurso público foi suspenso por tempo indeterminado. Outra ação é o retorno de servidores que estão cedidos a outros entes, como órgãos do Estado, cujas despesas são custeadas pelo município. Caso esses órgãos não queiram arcar com o ônus de pagamentos, os servidores retornarão às suas funções originais.

O horário de atendimento ao público no centro administrativo será reduzido, a partir de segunda, para ocorrer entre 13h e 17h. Também serão revisados todos os contratos com aluguéis, com organizações não governamentais, com o serviço de limpeza e todo serviço considerado não essencial.

Para incrementar as receitas, a prefeitura realizará leilão de cerca de 20 imóveis e de equipamentos considerados obsoletos, além de fazer a revisão de todas as doações imobiliárias do município dos últimos 15 anos. Outra ação será incrementar a cobrança da dívida ativa e via judicial de quem deve ao à administração municipal. Ainda será realizada a reintegração de posse de áreas públicas invadidas, principalmente por empresas, além da cobrança do serviço de limpeza de fossas para comércio e condomínios de luxo, mantendo a gratuidade do serviço para famílias de baixa renda.