BRASÍLIA – A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem no Senado aprovou nesta terça-feira (21), de forma unânime, o relatório final do senador Rogério Carvalho (PT-SE). Ele pede o indiciamento de três empresas e de 11 pessoas por crimes ambientais no caso do afundamento do solo em bairros de Maceió (AL), que atingiu 14 mil imóveis, afetando mais de 60 mil pessoas, causando ainda danos ambientais e destruição na infraestrutura da cidade.
O parecer do relator foi apresentado na semana passada, mas teve pedido de vista concedido, para mais tempo de análise. No relatório, Rogério Carvalho responsabilizou a mineradora e petroquímica Braskem pelos danos causados em áreas da capital alagoana devido à exploração do mineral sal-gema — usado, por exemplo, na produção de soda cáustica e fabricação de PVC. Para Rogério Carvalho, a CPI demonstrou que a Braskem cometeu o crime de “lavra ambiciosa”, retirando mais sal-gema do que a segurança das minas permitia.
O relatório também pede o indiciamento de quatro empresas que trabalharam para a Braskem fornecendo laudos e estudos que, de acordo com a CPI, eram falsos ou enganosos. “Algumas pessoas inconsequentes em busca do lucro rápido e fácil acreditaram que poderiam escavar a terra de qualquer jeito, sem se importar com a população que morava em cima. Mesmo diante da catástrofe do Rio Grande do Sul, ainda há quem pense que pode agredir o meio ambiente de várias formas sem que isso cause problemas”, ressaltou o relator na sessão desta terça-feira.
Outra conclusão da comissão foi a de que o setor da mineração precisa de um novo modelo de governança. “Não podemos mais aceitar que as agências reguladoras continuem a conceder e a renovar licenças a partir de dados fornecidos pelas mineradoras sem verificação independente. Precisamos antecipar e evitar novas Maceios, Marianas e Brumadinhos”, alertou Rogério Carvalho, citando as duas cidades mineiras soterradas por barragens de mineração.
Confira os crimes atribuídos aos citados pela CPI
Os oito indiciados ligados à Braskem e a empresa são acusados de cometerem crime contra a ordem econômica, ao explorar matéria-prima pertencentes à União em desacordo com as obrigações impostas pela legislação.
Também infringiram a Lei de Crimes Ambientais, segundo o relatório, ao causar poluição que resulte em danos à saúde humana ou que provoquem destruição da flora e fauna, entre os delitos. O crime com pena mais severa prevê reclusão de um a cinco anos, enquanto o mais brando é de detenção de um a seis meses ou multa.
A legislação permite o indiciamento, em crime ambiental, da Braskem como pessoa jurídica. Os seguintes representantes da empresa — atuais ou anteriores — foram acusados dos crimes:
- Marcelo de Oliveira Cerqueira, diretor-executivo da Braskem desde 2013, e atualmente vice-presidente executivo de Manufatura Brasil e Operações Industriais Globais;
- Alvaro Cesar Oliveira de Almeida, diretor industrial de 2010 a 2019;
- Marco Aurélio Cabral Campelo, gerente de produção;
- Galileu Moraes, gerente de produção de 2018 a 2019;
- Paulo Márcio Tibana, gerente de produção de 2012 a 2017;
- Paulo Roberto Cabral de Melo, gerente-geral da planta de mineração de 1976 a 1997;
- Adolfo Sponquiado, responsável técnico da empresa no local de mineração entre 2011 e 2016;
- Alex Cardoso da Silva, responsável técnico em 2007, 2010, 2017 e 2019.
Atualmente, a Polícia Federal conduz o inquérito “Operação Lágrimas de Sal” para apurar os crimes envolvidos na tragédia.
Por meio de nota, a Braskem afirmou que sempre esteve à disposição da CPI colaborando com todas as informações e providências solicitadas pela comissão. “A companhia continua à disposição das autoridades, como sempre esteve”, destacou a mineradora.
Projetos de lei
O relatório de Rogério Carvalho ainda traz três projetos de lei (PL) e um projeto de lei complementar para reforçar o poder estatal de regulação na atividade de mineração. Um deles cria uma taxa para direcionar um percentual das receitas sobre lavra mineral aos órgãos de fiscalização da atividade.
Outra proposta atribui a competência de dar licença ambiental para atividades minerárias de alto risco ambiental à União. O órgão responsável no caso da Braskem, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas, foi acusado de negligência por Rogério.
O senador ainda propõe um novo crime específico para empresa de consultoria que produzir laudos enganosos e sugere a articulação obrigatória entre as agências reguladoras e os órgãos de defesa do meio ambiente.
Os projetos de lei buscam corrigir o que Rogério chama de “autorregulação de fato”. O relator apontou que o sistema de fiscalização na atividade mineradora é frágil por não possuir servidores nem capacidade técnica suficientes para realizar vistorias e monitoramentos nas atividades de mineração. Assim, segundo Rogério, os órgãos simplesmente aceitam os laudos e estudos realizados pelas próprias mineradoras.
Indenizações para famílias afetadas
O relatório ainda destina seção específica para recomendações do colegiado sobre os desdobramentos da tragédia. Rogério sugere revisão de parte do acordo socioambiental firmado entre a Braskem e diversos órgãos federais e estaduais em 2020 para evitar a transferência à Braskem dos imóveis inutilizados nas áreas de risco de afundamento.
Segundo o senador, o trecho é injusto por permitir transformar o que “hoje é um passivo em um valioso ativo imobiliário”. O usufruto do solo só ocorrerá se houver estabilidade no solo e posterior autorização do Plano Diretor da cidade.
No acordo socioambiental, a Braskem dispôs de R$ 1,58 bilhão em reparações sociais e urbanísticas, como demolição de imóveis e preservação do patrimônio histórico. Os danos sociais e morais coletivos foram estipulados em R$ 150 milhões, podendo chegar a R$ 300 milhões. A empresa ainda assinou acordos com a Prefeitura de Maceió e com o Ministério Público do Trabalho.
Empresa extrai sal-gema em Maceió há cinco décadas
A CPI foi instalada em dezembro de 2023 para investigar os danos ambientais causados em vários bairros de Maceió por causa da extração do sal-gema, que é realizada na região desde os anos 1970. O objetivo da CPI era investigar os efeitos da responsabilidade jurídica e socioambiental da mineradora.
A comissão foi criada a partir de sugestão do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que posteriormente decidiu não participar, por não ter sido indicado relator.
A instalação da CPI ganhou apoio político após novos tremores no solo terem sido registrados em novembro, o que motivou a prefeitura de Maceió a decretar situação de emergência por risco de colapso de uma mina da Braskem no bairro do Mutange.
O primeiro tremor na capital alagoana nas áreas próximas às minas de exploração foi registrado em 2018. Desde então, moradores dos locais de maior risco foram orientados a deixar suas residências.