Contrapartidas de Estados e municípios definidas pelo governo para aderir ao socorro financeiro na pandemia causam impasses entre senadores. Divergências põem em risco o cronograma de votação.
O projeto debatido no Senado, com um pacote de R$ 120 bilhões para ajudar os entes federados, está previsto para ser analisado pelo plenário neste sábado (2). Porém, a votação poderá ser adiada.
Ao menos quatro pontos da proposta costurada entre o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) são motivos de embates.
A ajuda valerá por quatro meses. Para isso, os entes federados deverão cumprir uma série de exigências.
Uma das mais polêmicas diz respeito à retirada de ações judiciais com pedido de suspensão de pagamento de parcelas de dívidas com a União. Pelo texto, só após isso o dinheiro será liberado.
Segundo estimativas da equipe de Guedes, somente no Supremo Tribunal Federal (STF) os processos em andamento têm impacto de R$ 50 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional.
O projeto do Senado impede que Estados e municípios ingressem com as ações após o período da pandemia. Nesse período, a União deixará de depositar a ajuda financeira extra prevista.
"Pelo que sabemos, o governo federal não tem boa-fé com Estados e municípios. Sabemos que não podemos esticar muito a corda, mas precisamos buscar mudanças", disse o líder do PDT, Weverton (MA).
Nesta quinta-feira (30) à noite, horas depois de o relatório do projeto ter sido entregue aos senadores, técnicos da Economia apresentaram os argumentos contra as atuais e novas judicializações.
Segundo a subsecretária de Relações Financeiras Intergovernamentais, Pricilla Maria Santana, a regra tem de ser mantida. "É uma exigência para que o recurso seja entregue."
De acordo com o líder do PP, Otto Alencar (BA), há uma insatisfação geral por parte dos governadores com a exigência da retirada das ações.
Segundo o senador, os chefes dos Executivos estaduais até aceitariam as mudanças, desde que haja contrapartidas. A principal delas é uma nova divisão dos recursos.
"Os governadores não querem retirar suas ações, mas acho que até podem aderir à exigência porque a situação é crítica. O governo amarrou tantas exigências que precisamos chegar a um acordo."
Os senadores vão tentar que o governo aceite uma nova fórmula para a divisão do dinheiro.
Pelo texto, são R$ 60 bilhões de repasses diretos. Desse total, R$ 10 bilhões irão para o combate ao coronavírus, nas ações de saúde –R$ 7 bilhões para Estados e R$ 3 bilhões para as cidades.
Dos R$ 50 bilhões restantes para uso livre, a fim de garantir o funcionamento da máquina com a perda de ICMS (estadual) e ISS (municipal), metade ficaria para Estados e metade, municípios.
Os Estados querem ficar com 60% do bolo financeiro.
"Sabemos que a União tem suas dificuldades, mas queremos convencer o presidente do Senado a aceitar a divisão de 60% aos Estados e 40% aos municípios", disse Alencar.
O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), destacou os entraves para o andamento do projeto no Senado.
"Este é um dos projetos mais difíceis de serem votados porque mexe com muitos interesses num momento de crise", disse.
Nem mesmo os municípios estão satisfeitos com a proposta. Nesta sexta-feira, em nota, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) afirmou que a fórmula do governo desequilibra as finanças.
"A alteração da proposta de partilha dos recursos federais para municípios e Estados, apresentada pelo Senado Federal torna mais desequilibrada a compensação de frustração de receitas dos entes subnacionais, decorrente da pandemia do novo coronavírus."
O projeto prevê ainda a suspensão dos pagamentos de dívidas de Estados e municípios com a União neste ano, além de permitir a renegociação com bancos públicos e organismos internacionais.
O relatório de Alcolumbre deixou uma brecha para que a despesa com servidores não seja congelada se o gasto for necessário ao combate do novo coronavírus. Não haverá reajustes e novos concursos.
Esse mecanismo, segundo técnicos do governo, pode ser acionado caso o governador ou prefeito necessite contratar mais médicos ou enfermeiros. Porém, há divergências.
"Não é possível que um profissional da saúde, passada a pandemia, não possa receber uma gratificação por ter colocado sua vida em risco. E se o governante precisar construir uma escola? Não vai poder contratar professor? Não pode ser assim", disse o líder da Minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), também defende a inclusão de emendas no texto. "Não podemos deixar que todos os servidores fiquem sem reajuste."
Diante de tantas insatisfações, há também quem defenda o aumento de recursos por parte da União, semelhante ao que foi aprovado pela Câmara.
O governo diz acreditar que o plano dos deputados poderia passar de R$ 200 bilhões.
"A Câmara pode ter cometido vários erros, mas, por algum motivo que não sabemos, o Davi foi para um outro lado. Os governadores não estão entendendo nada" disse Esperidião Amin (PP-SC), líder do Bloco Parlamentar Unidos Pelo Brasil, que agrega 21 senadores.
"Ou votamos o projeto da Câmara ou vamos ter de recompor receitas", afirmou Esperidião.
Até o final da tarde desta sexta-feira (1º), apenas os senadores Fernando Bezerra (MDB-PE), Ciro Nogueira (PP-PI) e Braga eram contra o adiamento da votação da proposta, que já teve 74 emendas apresentadas.
O relator promete reunir todas até as 10h deste sábado e, a partir de então, fazer a análise do que poderá ser incorporado ao texto que será levado à votação.
Depois de ser votado pelo Senado, o projeto ainda precisa ser apreciado pelos deputados. Se houver mudanças, terá de voltar para o Senado, que dará a palavra final.
Depois disso, seguirá para sanção do presidente Jair Bolsonaro.