A Câmara Municipal de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, entregou, nesta terça-feira (7), o relatório final do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou o processo de cobrança que a empreiteira Andrade Gutierrez faz contra Betim, que chega hoje a R$ 480 milhões.
O pagamento, em forma de precatório, foi suspenso pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em novembro por tempo indeterminado após pedido feito em uma ação popular movida pelo servidor e radialista Luiz Antônio Germano.
Em 93 páginas, o relatório da CPI concluiu que houve irregularidades durante o processo que resultou na cobrança, como falta de comprovação da realização das obras do contrato e inconsistências do montante da execução do mesmo, além de falsidades documental e ideológica.
Uma dessas irregularidades é o documento “ata de recebimento das obras”, datado de 8 de novembro de 1982, entre o quarto e quinto termo aditivos que alteraram valores, prazos e dotações.
Esse documento, juntamente com um reconhecimento de 1991, foi usado pela empresa para ajuizar a ação de cobrança. Porém, a Prefeitura de Betim realizou perícia sobre o documento de 1982, na qual ficou comprovado que as assinaturas do ex-prefeito da cidade Osvaldo Franco e do ex-secretário da Fazenda José Dirceu da Silveira são falsas, inclusive, com seus nomes grafados errado. O documento também não tem autenticidade em cartório.
O laudo grafotécnico foi analisado pela CPI, assim como o resultado das auditorias realizadas pelo município e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que comprovaram que a empresa recebeu quase o dobro do valor do contrato. A comissão também ouviu depoimentos de quase 20 pessoas, como ex-prefeitos, ex-secretário e servidores.
“O documento que funda todo o citado processo judicial, de confissão de dívida realizada pelo então prefeito, está incorreto, além de carecer de embasamento técnico para a emissão do mesmo. O laudo grafotécnico trazido até esta CPI comprova sobejamente a falsidade criminosa perpetrada para lesar os cofres públicos. Em outro falar, o valor cobrado do município não possui confirmação”, diz o relatório da CPI.
A conclusão do trabalho também afirma que, em relação às medições dos citados serviços, “existem rasuras, alterações posteriores, falta de assinaturas e inconformidades”.
A CPI também ressalta que, em momento algum do processo de cobrança na Justiça, iniciado pela empresa em 1991, foi discutido o mérito da cobrança, “com a comprovação da execução da obra e os valores correspondentes pagos e devidos, sendo apenas objeto do litígio os valores de correção monetárias e juros que comporiam o débito”.
“As obras aludidas foram realizadas nos anos de 1979 até 1983, não havendo, nos cinco anos posteriores à conclusão, qualquer pedido (de pagamento). Deixou-se, assim, que o tempo obscurecesse e apagasse vestígios, confundindo obras já finalizadas e outras nunca executadas ou executadas em empreendimentos provados da Andrade Gutierrez. Já que seria impossível cobrar obras não realizadas, colocou-se como objeto do pedido 'correções monetárias'”, atesta o relatório.
Também são apontados pagamentos de altos valores entre 1984 e 1985, como em julho de 1984, em que um relatório da tesouraria da Secretaria da Fazenda mostra uma transferência de CR$ 11,5 bilhões, em moeda da época.
Com todos esses indícios de irregularidades, a CPI encaminhou o relatório ao Executivo concluindo que houve valores pagos a maior pelo município, que “a reparação do erário é imprescindível”, e que sejam confeccionadas notícias de crimes acerca das diversas condutas criminosas apuradas. A CPI também pede que cópias do relatório sejam enviadas às instituições de investigação, como a Polícia Federal, os Ministério Público Federal e Estadual e a Polícia Civil.
“Foi um trabalho de árduo, de quase um ano, em que nos debruçamos em cima de uma vasta documental, de resultado de auditorias, perícias. Ouvimos quase 20 pessoas e chegamos à conclusão de que houve um modus operandi que orquestrou um grande dano ao erário público e isso tem que que ser apurado”, declarou o presidente da CPI, vereador Claudinho Fernandes (DEM).
“Além de trazermos esse relatório ao Executivo, também o encaminharemos ao MP, às Polícias Civil e Federal e a outros órgãos de investigação, porque há forte indícios de falsidades ideológica e documental que prejudicaram Betim. Os responsáveis precisam ser punidos”, completou o presidente da Câmara, Klebinho Rezende (PSD).
O prefeito de Betim, Vittorio Medioli, disse que o trabalho da CPI reafirma que a cobrança feita pela empreiteira contra o município é marcada por irregularidades. “A CPI trouxe provas importantes, há depoimentos de pessoas que não haviam sido ouvidas ainda, e que alegaram que não havia processo ou pendência. Inclusive, no decorrer do trabalho, surgiram novas provas, como os laudos grafotécnicos que atestaram as assinaturas falsas e a montagem do documento que deu origem à cobrança. Documento esse que não existe no arquivo da prefeitura, apenas a AG tem. Isso reforça o que as auditorias independente e do próprio TCU concluíram: que não existe dívida. Na verdade, Betim é que tem a receber por ter pago valores muito acima do de contrato”, disse.
A AG declarou que não vai se pronunciar.