O ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Zema, Cássio Rocha de Azevedo, teria atuado para escolher quem iria se tornar presidente da Cemig. Ao final do processo, o escolhido foi o executivo Reynaldo Passanezi Filho. Já no cargo, Passanezi teria tentado favorecer uma empresa do ex-secretário.
Parte dos deputados da CPI da Cemig vê no episódio, se confirmado, um conflito de interesses, já que Azevedo — que morreu em junho devido a um câncer — era um dos donos da empresa AeC, que prestava serviços para a Cemig, mas perdeu uma licitação em fevereiro de 2020. Segundo o depoimento de um ex-diretor da Cemig, o presidente da estatal, Reynaldo Passanezi, tentou mudar o resultado da licitação para favorecer a AeC.
A suposta influência de Cássio Azevedo no processo de escolha do presidente da Cemig foi revelada nesta quarta-feira (13) durante o depoimento do delegado da Polícia Civil, Gabriel Ciriaco Fonseca, que chefiou uma investigação sobre a Cemig.
O depoimento dele foi secreto, mas, ao final, os deputados aprovaram a quebra do sigilo da oitiva e falaram de seu conteúdo livremente com a imprensa.
Em nota (confira a íntegra ao final da reportagem), a AeC disse que suas relações comerciais sempre se nortearam pela ética e que “todos os contratos e serviços prestados ao longo de mais de uma década para a Cemig foram pautados pela legalidade, idoneidade e pela absoluta transparência”. A Cemig também foi procurada, e respondeu após a publicação da reportagem. Veja a íntegra ao final do texto.
De acordo com o deputado Professor Cleiton (PSB), o delegado Gabriel Ciriaco afirmou que o ex-presidente da Cemig, Cledorvino Belini, disse em um depoimento à Polícia Civil que não sabia da contratação de Reynaldo Passanezi Filho para a presidência da Cemig e que não aprovou a contratação da Exec, empresa que realizou o processo seletivo para escolher quem iria preencher o cargo.
“Ele [Belini] disse que quem fez a solicitação de tudo foi o senhor Cássio Azevedo que entra em contato com o senhor Evandro Negrão de Lima, que por sua vez faz todo o processo que a gente está investigando nessa CPI [de contratação da Exec e da seleção de Reynaldo Passanezi]”, afirmou o deputado Professor Cleiton, ao relatar o que foi dito pelo delegado no depoimento à CPI.
A comissão já suspeitava de que teria ocorrido direcionamento tanto na contratação da Exec quanto na escolha de Reynaldo Passanezi. Com o depoimento desta quarta-feira (13), os deputados consideraram que essa suspeita ganhou força e convocaram Passanezi para depor como investigado. O ex-presidente da Cemig, Cledorvino Belini, também foi convocado, mas como testemunha.
Evandro Veiga Negrão de Lima Jr. atualmente é vice-presidente do Novo em Minas Gerais. A primeira proposta da Exec para realizar o processo seletivo para a vaga de presidente da Cemig foi enviada para ele, e não para a estatal mineira. Segundo o depoimento de um dos sócios da Exec à CPI, Evandro atuou na definição do perfil desejado para a vaga e também entrevistou candidatos finalistas.
Procurado, Evandro disse que não vai comentar o depoimento desta quarta-feira (13). Ele deve depor na condição de testemunha na CPI nas próximas semanas.
“O próprio delegado disse que lhe chamou atenção o fato do senhor Evandro Negrão estar fazendo esse contato já que ele não era nem diretor da Cemig, muito menos membro do governo. Era um líder partidário, mas hoje a gente sabe que estava atuando a mando do secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, o falecido senhor Cássio de Azevedo”, afirmou Cleiton.
O deputado Roberto Andrade (Avante) afirmou que o delegado Gabriel Ciriaco tratou de fragmentos de depoimentos da investigação da Polícia Civil e que ele se lembrou de alguns e de outros não. Segundo o parlamentar, o delegado também teria dado muitas opiniões, o que tornaria difícil emitir um juízo de valor sobre o caso no momento.
“Você pegar parte do inquérito policial e ele dizer só parte do depoimento fica muito difícil a gente ter qualquer conclusão. Nós teríamos que ter todo esse inquérito policial para a gente poder fazer uma avaliação. Ele deu muitas opiniões que têm como profissional, do que é certo e do que é errado na avaliação dele. Fazer qualquer juízo de valor sobre o que ele disse ou sobre parte do depoimento das pessoas que ele ouviu é muito precipitado”, disse.
A CPI da Cemig pediu o inquérito policial sobre a Cemig à Polícia Civil, mas obteve como resposta que todos documentos da investigação haviam sido enviados para uma vara judicial em Belo Horizonte. A falta de informação foi um dos motivos da convocação do delegado Gabriel Ciriaco para depor na comissão
Tentativa de mudança de resultado de licitação
A AeC, empresa de Cássio de Azevedo, ganhou três licitações seguidas para prestar o serviço de call center para a Cemig. Na quarta licitação, em fevereiro de 2020, ela ficou em segundo lugar por cerca de R$ 500. A vencedora foi uma empresa chamada Audac.
Segundo depoimento à CPI do ex-diretor de Suprimentos (Compras) da Cemig, João Polati Filho, Reynaldo Passanezi o pressionou para alterar o resultado da licitação e declarar a AeC vencedora.
Polati disse ter recusado o pedido e a Audac foi declarada vencedora, mas nunca recebeu a ordem para iniciar os serviços. Um ano depois, no início de 2021, a Cemig cancelou o contrato com a Audac e contratou a IBM, pelo valor de R$ 1,1 bilhão e por inexigibilidade de licitação, para implantar um serviço de atendimento integrado ao cliente.
A IBM, por sua vez, subcontratou a AeC — que havia perdido a licitação — para prestar o serviço de call center. “Conflito de interesse total”, avaliou Professor Cleiton.
Devido ao rompimento do contrato, a Audac cobra na Justiça uma indenização de R$ 13,5 milhões da Cemig como forma de compensação pelo dinheiro que gastou na preparação para prestar o serviço para a estatal mineira.
Nota na íntegra da AeC:
"A AeC atua há quase 30 anos no mercado, tendo prestado serviços para centenas de empresas, e esclarece que todos os contratos e serviços prestados ao longo de mais de uma década para a Cemig foram pautados pela legalidade, idoneidade e pela absoluta transparência, gerando emprego e renda para o município de Belo Horizonte.
A empresa reafirma seu compromisso em colaborar com toda e qualquer apuração que demande sua participação e reitera que todas as suas relações institucionais e comerciais sempre se nortearam pela ética e pelo conjunto das melhores práticas de integridade e compliance."
Nota da Cemig
"Sobre a contratação da empresa Exec, responsável pelo recrutamento e seleção do diretor-presidente da Companhia, a Cemig reafirma que ela foi feita com a observância das normas legais e internas da empresa.
A Cemig esclarece ainda que, em 2020, decidiu implantar o Projeto Cliente +, que vai oferecer um atendimento de excelência aos 8,7 milhões de clientes da Cemig, por meio de uma parceria estratégica com a IBM que consiste na integração dos canais de atendimentos. Anteriormente, a Cemig tinha 14 fornecedores que cuidavam de diferentes canais e eram remunerados por tempo de atendimento, não por resolução de problemas. Além da melhoria de qualidade, o Cliente + representa economia superior a R$ 400 milhões para a Cemig em dez anos de contrato."