Atuação

‘Dark web’ esconde criminosos que atacam mulheres na política

Promotor diz que investigação envolve criminosos que interagem por meio de fóruns hospedados fora do país; em BH, vereadoras e deputadas sofrem ameaças constantes pela atuação

Por Clarisse Souza e Cynthia Castro
Publicado em 30 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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Escondidos e agindo em fóruns ilegais hospedados em sites da “dark web” – espécie de submundo da internet sobre o qual não há regulação –, criminosos que promoveram uma série de ameaças a parlamentares da Câmara Municipal de Belo Horizonte e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no último ano continuam a desafiar as autoridades do Estado.

Segundo o promotor de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate a Crimes Cibernéticos (Gaeciber), Mauro Ellovitch, o uso de comunicação criptografada e de provedores fora do país são os principais empecilhos para a identificação dos autores, que seguem à solta. 

“É uma investigação bem complexa. As pessoas imaginam que foram xingamentos em redes sociais ou então um e-mail mais padrão que foi enviado. Mas, nesse caso específico, tem algumas peculiaridades, porque os criminosos tomaram algumas medidas voltadas justamente para dificultar a investigação. Pelo que as investigações apontam, são grupos ligados a fóruns na internet, que estão acostumados com tecnologia e com mecanismos para dificultar a investigação, o que gerou uma complexidade extra”, explicou Ellovitch, em entrevista a O TEMPO

Embora não detalhe os casos, que estão sob sigilo, o promotor comenta que o mecanismo usado para disparar as ameaças contra deputadas e vereadoras mineiras se espelha em ataques misóginos praticados nos Estados Unidos. “É um fenômeno que, infelizmente, está sendo replicado. Coisa ruim que veio de outros países”, lamenta o coordenador do Gaeciber.

Apesar de não estimar um prazo para a conclusão das investigações, o promotor se diz otimista quanto às apurações e ressalta que as penas contra os criminosos podem ser duras, principalmente se for comprovada a tentativa de obstruir o trabalho das autoridades. “É importante acabar com esta ideia de que as investigações não vão chegar a um autor só porque os criminosos tiveram esse cuidado (de usar provedores no exterior). É um procedimento um pouco mais complexo, tanto que a nossa legislação reconhece essa dificuldade e aumenta a pena. Mas nós vamos chegar lá”, prevê. 

Entenda o caso. Em agosto de 2023, as vereadoras de BH Iza Lourença e Cida Falabella, ambas do PSOL, denunciaram à Polícia Civil uma série de ameaças.

O primeiro e-mail chegou ao gabinete das vereadoras em 14 de agosto, enviado para o endereço institucional usado pelas parlamentares. Depois, mais quatro e-mails chegaram ao endereço institucional de Iza Lourença. Dessa vez, as ameaças citavam a filha da vereadora, além de dados pessoais, como telefones, endereços e o nome de sua mãe.

As deputadas estaduais Bella Gonçalves, também do PSOL, Lohanna França (PV) e Beatriz Cerqueira (PT) receberam ameaças semelhantes. O mesmo aconteceu com a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG). As ameaças são investigadas também pela Polícia Civil, e outros órgãos participam das ações.

Leia a entrevista do promotor na íntegra. Ele também falou de outros crimes cibernéticos.

Promotor Mauro Ellovitch
Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate a Crimes Cibernéticos (Gaeciber)

Estamos fechando o mês das mulheres. Em relação aos ataques a vereadoras e deputadas mineiras, como estão as investigações e qual a dificuldade? O Gaeciber faz parte de uma interlocução institucional. É uma portaria conjunta de atuação do Ministério Público, da Polícia Civil, da Polícia Militar e da Assembleia para a investigação dessas ameaças. Temos atuado desde o começo. É uma investigação bem complexa, diferente do que as pessoas imaginam – xingamentos em redes sociais ou um e-mail mais padrão. Nesse caso específico, tem peculiaridades, porque os criminosos tomaram medidas voltadas justamente para dificultar a investigação. São grupos ligados a fóruns na internet, que estão acostumados com tecnologia e com mecanismos para dificultar a investigação, o que gerou uma complexidade para a investigação. Mas não significa que não vamos chegar lá. Só que o trâmite é um pouco mais complexo do que as pessoas imaginam. Todas as instituições estão muito empenhadas. Estamos bem integrados e acreditamos que vamos chegar a resultados bem positivos, ainda que tenha demorado um pouco mais pela complexidade da investigação.

Esses grupos atuam fora do Brasil? Eles agem por meio de fóruns? Varia muito. Em vários casos, os criminosos interagem entre eles por meio de fóruns que são hospedados fora do país. São provedores de fora do país, o que é um dificultador a essas investigações. É mais difícil requisitar o dado. O dado não chega com a velocidade dos provedores hospedados no Brasil. Mas é importante acabar com esta ideia de achar que eles vão tomar esse tipo de cuidado e que não se vai chegar a eles. Vai. Só que é um procedimento mais complexo. Tanto é mais complexo que a nossa legislação reconhece a dificuldade. Quando o criminoso, para a prática de crimes cibernéticos, como invasão de dispositivo, utiliza provedor de fora do país, a pena aumenta. O próprio legislador reconheceu essa dificuldade. É interessante esses movimentos, especialmente das ameaças. Na verdade, estão replicando algo que é feito nos Estados Unidos e em outras situações. São reuniões em fóruns e que dali partem ameaças e ataques misóginos. É um fenômeno em que, infelizmente, está sendo replicada coisa ruim que veio de outros países.

Essa investigação tem a colaboração de entidades de outros países? A investigação é sigilosa. Até para não gerar nenhuma dificuldade extra, não podemos revelar nada sobre ela.

Essas ameaças chegam, geralmente, de que forma? WhatsApp, e-mail? Não vou falar do caso concreto, porque realmente não podemos. Mas vemos, no geral, nesses tipos de fóruns, que eles usam e-mails com alguma medida de segurança. Eles usam comunicações criptografadas. O Telegram, infelizmente, é uma plataforma que ainda não é colaborativa com as autoridades brasileiras e que acaba virando local para cometimento das mais variadas ilicitudes. Os criminosos vão buscando esses meios, essas redes sociais, esses meios de comunicação que não colaboram com as autoridades brasileiras. Isso vai acabar mudando. Podemos citar, por exemplo, o caso do Discord. O Discord ganhou repercussão com aqueles casos de comunidades que levavam meninas à automutilação e que eram usadas para compartilhamento de material de exploração sexual infantil. Eles tinham essa política de não colaboração com as autoridades. Só que eles mudaram. Hoje em dia, o Discord é colaborativo, atende às ordens judiciais. Estamos conseguindo chegar a grandes grupos criminosos e, principalmente, minimizar ameaças a crianças e adolescentes com a regularização dessas plataformas.

A que tipo de punição está sujeito quem faz essas ameaças a políticas? Sempre vamos ver dentro do contexto. Se for uma ameaça, vai dentro do artigo 147 do Código Penal; vai ser visto como ameaça. Se for um ataque político de gênero, se ele tiver especificamente motivação política, vai ter um tipo penal próprio no Código Eleitoral. Não pode generalizar. Tem que ver sempre dentro da investigação, o contexto da ameaça, o objetivo, quem praticou, para que possamos ver em que tipo penal se encaixa.

 

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