O setor de Compliance, Riscos Corporativos e Controles Internos da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) não repassou ao Conselho Fiscal ou a qualquer outro órgão interno da estatal nenhuma informação acerca dos contratos firmados em descumprimento às regras internas da própria empresa. A informação foi do diretor adjunto da área, Luiz Fernando de Medeiros Moreira, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para investigar irregularidades em contratos firmados pela estatal sem licitação.
“Pela área de compliance ainda não (foi levado nada a órgãos superiores). Mas a auditoria levou com certeza. Todo trabalho de auditoria é apresentado ao comitê de auditoria porque a auditoria interna está subordinada ao comitê de auditoria”, disse o depoente ao ser perguntado se a sua área levou os casos onde havia suspeita de irregularidade ao Comitê de Auditoria, Conselho de Administração e Conselho Fiscal.
Entre as contratações supostamente irregulares estão a do atual diretor de Regulação e Jurídico da Cemig, Eduardo Soares. Ele é ex-sócio do escritório de advocacia Lefosse, também contratado pela Cemig e alvo de uma investigação do Ministério Público de Minas Gerais.
Inicialmente, Moreira disse que a contratação de Eduardo Soares cumpriu todos os requisitos da empresa. Em seguida, afirmou que, em um primeiro momento, a contratação dele foi negada. “Na preparação da análise sobre Eduardo Soares foi visto que ele estava ainda na Lefosse e foi negado. Posteriormente, ele se desvinculou da Lefosse e aí foi preparada nova análise e ele poderia ser contratado dessa regra. Aqui não fizemos uma análise sobre eventos e possibilidade, fizemos uma análise em cima dos fatos que estavam registrados”, disse o depoente.
"Ele é sócio do escritório, sai da sociedade quatro dias antes de tomar posse, recrutado pelo próprio presidente (Reynaldo Passanezi). Depois passa pela Exec (empresa de recrutamento contratada pela Cemig) apenas para receber um carimbo. Ele próprio disse: quem me escolheu foi o presidente. E quatro dias depois de tomar posse contrata o ex-escritório dele até uma semana atrás", disse o presidente da CPI, deputado Cássio Soares (PSD).
Também foram apontadas pelos deputados supostas irregularidades na contratação do próprio presidente da companhia, Reynaldo Passanezi, que foi conselheiro da ISA CTEEP, empresa colombiana ISA como uma de suas sócias. Já a ISA é sócia da Taesa juntamente com a Cemig e, atualmente, a companhia mineira tem um processo aberto para a venda de sua participação na Taesa e a ISA tem preferência na compra por ser a segunda maior acionista. Além disso, Passanezi seria sócio de um ex-diretor da Cemig em uma empresa de consultoria, mas o depoente não sabia da relação.
Na avaliação do vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB), o depoimento revelou que a diretoria não tem autonomia para adotar os procedimentos de compliance recomendados. “O compliance que deveria ser uma área independente é uma área totalmente sob a tutela e o controle do presidente. Ou seja, a diretoria não tem autonomia nenhuma e isso ficou muito claro no depoimento. É uma diretoria de compliance para inglês ver porque simplesmente legitimam e referendam tudo aquilo que mandam fazer”.
Diretor confirma pedido de sala para um ex-secretário
Outro ponto questionado pelos deputados ao diretor adjunto foi sobre uma sala dentro da sede da Cemig destinada ao ex-secretário de governo de Minas e proprietário da empresa de telemarketing AeC, Cássio Rocha Azevedo. Moreira não confirmou a existência da sala, mas confirmou que houve um pedido do presidente Reynaldo Passanezi para que fosse feito um parecer sobre a possibilidade de reserva de uma sala, ao que o setor de Compliance se posicionou negativamente.
“O que eu tenho de conhecimento é que foi feito um estudo para isso (uma sala no 18º andar da Cemig) e o presidente da companhia, doutor Reynaldo, pediu ao compliance que fizesse uma análise de conformidade se seria possível. Nós fizemos a análise e entregamos para ele dizendo que não seria possível instalar nenhum membro do governo dentro dos prédios da Cemig porque isso fere a isonomia", disse.
A CPI da Cemig também investiga a relação da Cemig com a AeC. A empresa de telemarketing tinha contrato com a Cemig até 2020, perdeu uma licitação para a empresa Audac por uma diferença de R$ 500 e teve seu contrato prorrogado até 2021. Já em 2021, a Audac teve o contrato com a Cemig suspenso, e a estatal firmou um contrato de parceria com a IBM por um valor superior a R$ 1 bi e, a IBM subcontratou a AeC.
Diretor jurídico explica cancelamento de contratação da Lefosse
O contrato entre a Cemig e a Lefosse foi assinado em 28 de agosto do ano passado pelo valor de R$ 890 mil. Outro contrato no valor de R$ 5,7 milhões seria firmado no início deste ano, mas, ainda no mês de janeiro, o MP abriu uma investigação em relação à contratação da Lefosse pela Cemig e o segundo contrato não foi efetivado.
O diretor de Regulação e Jurídico da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Eduardo Soares, que também foi ouvido pela CPI nesta segunda-feira, explicou que não há relação entre a investigação do MP e o cancelamento do contrato milionário com a Lefosse, escritório do qual foi sócio até março do ano passado.
“Não há relação, nós tínhamos uma perspectiva quando fizemos o processo de seleção de um escritório que foi vencido pelo Lefosse com menor preço e com mais capacidade técnica. Então, nós tínhamos uma perspectiva de trabalho e, no início do ano, essa perspectiva acabou se frustrando ou não sendo exatamente como nós imaginávamos e, por isso, nós decidimos que vamos rever os termos desta contratação. É uma decisão eminentemente empresarial e do interesse da companhia”, disse.
Resposta da Cemig
Por meio de nota, a Cemig informou que os depoimentos “voltaram a atestar a legalidade dos atos praticados pela Companhia”. E que, em relação ao Lefosse, “ Eduardo Soares esclareceu que se trata de um dos mais renomados escritórios de advocacia do país, contratado por suas qualificações profissionais amplamente reconhecidas e pela confiança da Companhia na sua aptidão para defesa dos interesses da Cemig no caso da Renova, que poderia gerar perdas bilionárias à Companhia”.
A Cemig esclareceu ainda que “a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) autoriza a contratação direta de serviços técnicos especializados com pessoas ou empresas de notória especialização como pareceres, assessorias ou consultorias técnicas”. E completou dizendo que “todas as contratações na Cemig são feitas após rigorosa análise jurídica e com a observância da Lei das Estatais”.