Em meio ao clima político que se degrada no país em um embate claro entre Poderes e aos números das pesquisas de opinião que demonstram a radicalização das opiniões acerca do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o embate sobre o futuro do país chegou às ruas neste domingo, 31.
Mesmo diante da pandemia do coronavírus, em várias partes do país, grupos contrários e favoráveis ao presidente se aglomeraram e fizeram atos para demonstrar suas posições. Em alguns casos, houve confusão e atos de extremismo e violência.
Aos domingos, tem sido comum nas últimas semanas que os manifestantes favoráveis a Bolsonaro façam atos por todo o Brasil. Os principais deles acontecem em Brasília e são capitaneados por um grupo denominado “300”. Eles estão acampados na capital federal e têm entre seus membros até mesmo defensores da intervenção militar e do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A principal representante do grupo, a ativista Sara Winter, já chegou a falar em treinamento militar para revolução e foi alvo de busca e apreensão por ataques ao Judiciário. Na noite de sábado, seu grupo acendeu tochas em frente ao Supremo para protestar contra a postura da Corte, em cena esteticamente comparada aos atos de supremacistas brancos nos Estados Unidos.
Com frequência, eles recebem a visita de Jair Bolsonaro. Neste domingo (31), o presidente sobrevoou o local de helicóptero e, depois, caminhou entre os manifestantes. Depois, subiu em um cavalo da Polícia Militar para percorrer novamente o local e cumprimentar manifestantes.
O monopólio das ruas para os bolsonaristas, porém, foi perdido neste domingo com a entrada em cena de outro grupo. Capitaneados por torcedores de futebol, incluindo alas de torcidas organizadas que se denominam como “antifascistas” e favoráveis à democracia, os torcedores fizeram atos em diversas capitais. O maior deles foi em São Paulo e incluía torcedores dos maiores clubes do Estado, em especial da Gaviões da Fiel, do Corinthians.
Na avenida Paulista, a presença dos manifestantes contrários ao governo intimidou um grupo menor que defendia Bolsonaro. Os dois grupos chegaram a trocar ofensas e, após um princípio de confusão entre eles e um militante neonazista, a Polícia Militar tentou dispersar os manifestantes com bombas de efeito moral. Foi necessário fazer um cordão de isolamento para evitar brigas entre os militantes.
A partir daí, uma nova confusão se formou, dessa vez entre os manifestantes contrários ao governo e a PM. O grupo majoritariamente composto por torcedores de futebol depredou parte do local, usou rojões e montou barricadas na avenida, enquanto os policiais atiravam com balas de borracha e usavam bombas de efeito moral. O conflito se estendeu por toda parte e houve ao menos três prisões.
Conflitos também ocorreram no Rio de Janeiro, em protesto capitaneado por membros de uma torcida organizada do Flamengo, que também contou com a participação de torcedores de outros clubes. Também houve briga com bolsonaristas e ação da Polícia Militar.
Em Belo Horizonte, os dois grupos também fizeram protestos, mas em número menor do que nas outras capitais do Sudeste.
Clima quente
O que se reproduz nas ruas é reflexo do acirramento das tensões no país nas últimas semanas. Em Brasília, o choque entre os Poderes ficou evidente. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) amplia a frente de investigações contra o presidente no inquérito que apura a prática de fake news por aliados de Bolsonaro, o chefe do Executivo ameaçou na última semana não cumprir ordens judiciais. No vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado em 22 de maio, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a sugerir a prisão dos ministros do STF, em posição semelhante a de muitos manifestantes favoráveis ao governo.
A recíproca é verdadeira. Em conversas privadas divulgadas neste domingo pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, o decano do STF, ministro Celso de Mello, que conduz um inquérito sobre a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, afirmou que bolsonaristas “odeiam a democracia” e pretendem instaurar uma “desprezível e abjeta ditadura”. Ele chegou a comparar o grupo do presidente ao que apoiou a ascensão de Adolf Hitler e do nazismo.
População
Enquanto autoridades elevam o tom do embate, a sociedade fica cada vez mais dividida, com os setores médios escolhendo um dos dois lados da disputa. Pesquisas nos últimos dias mostram o fortalecimento da rejeição ao presidente, que cresce mês a mês e, em contrapartida, a solidificação da base de apoio de Bolsonaro, que se mantém por volta dos 30% do eleitorado mesmo em meio a tiroteio entre os Poderes e às investigações contra apoiadores. Segundo o Datafolha, 43% consideram hoje o governo ruim ou péssimo, enquanto 33% acham que é ótimo ou bom. Agora, extratos desses dois grupos demonstram, de forma violenta, essa divisão na rua e o futuro da crise política torna-se cada vez mais incerto.