Escolas para novos políticos têm procura sete vezes maior

A arquiteta Juliana Sales, 28, tentou se eleger deputada estadual na eleição passada pelo extinto PHS, perdeu e agora, pelo Cidadania, quer ser prefeita de Nova Lima. O internacionalista João Victor Martins, 24, não é filiado a nenhum partido, trabalha como assessor técnico na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, mas pensa em um dia ser candidato.

Eles não se conhecem pessoalmente, mas vão dividir o palco com outras 1.398 pessoas no próximo sábado, em São Paulo, na cerimônia de formação do novo curso da RenovaBR – escola para capacitar indivíduos que nunca ocuparam cargo eletivo e que tem como garoto-propaganda o apresentador e empresário Luciano Huck.

Esta é a segunda vez que Júlia vai terminar uma graduação voltada para a preparação de líderes que pretendem entrar na vida pública. “Participei da primeira turma do RenovaBR, em 2018, e fui a única mulher selecionada em Minas Gerais”, conta, orgulhosa.

Durante seis meses, ela estudou desde introdução a conceitos de democracia e política até estratégias de campanha eleitoral e economia. Sentindo-se preparada, concorreu ao posto de deputada estadual e teve 9.393 votos. “A votação não foi suficiente, mas ficou o aprendizado para as próximas eleições”, revela.

Naquele ano, 4.000 pessoas se candidatam para o curso da entidade, que oferecia bolsas com valores que iam de R$ 5.000 a R$ 12 mil. Foram escolhidos 133 candidatos que obrigatoriamente tinham que ter ficha limpa e compromisso com valores éticos. Desses, 117 se candidataram às eleições de 2018 e 17 foram eleitos, sendo nove deputados federais, sete estaduais e um senador.

Entre os que se elegeram está o belo-horizontino Tiago Mitraud, que registrou 71.901 votos pelo Novo e garantiu uma cadeira na Câmara dos Deputados. Mitraud conheceu a entidade quando, ainda diretor executivo da Fundação Estudar, foi procurado pelos fundadores da RenovaBR, que queriam divulgar entre os alunos da fundação a recém-criada escola para políticos.

“Eu consolidei uma ideia de não só ajudar a divulgar o RenovaBR, mas de eu mesmo ser um dos interessados a me inscrever no processo. Tomei a decisão de largar uma carreira no setor privado para me tornar um candidato a deputado federal”, conta.

De olho nas eleições municipais de 2020, 31.359 pessoas concorreram a uma das 1.400 vagas ofertadas na edição deste ano do curso, chamado RenovaBR Cidades. A quantidade de interessados é sete vezes superior à do último concurso. “O que atraiu esse quantitativo é o fato de não termos um programa político partidário, somos uma escola de formação de novas lideranças políticas”, explica o diretor de formação da RenovaBR, Rodrigo Cobra.

Ele explica que, desta vez, não foram dadas bolsas aos estudantes. Outra mudança foi no local de realização do curso. No lugar das aulas presenciais na capital paulista, os postulantes aos cargos de vereadores e prefeitos estudaram à distância. “Foram selecionadas pessoas de 445 cidades. Trazer todos para São Paulo inviabilizaria o curso”, justifica.

Registrada como associação sem fins lucrativos, a Renova, fundada em 2017 pelo empresário do ramo da educação Eduardo Mufarej, arrecadou no ano passado R$ 19,6 milhões em doações e gastou R$ 10,7 milhões com formação e R$ 4,5 milhões com despesas operacionais. “O RenovaBR sobrevive através de doações de pessoas físicas. Temos mais de 700 doadores, e nenhum deles tem contato com os alunos”, garante Cobra.

Experientes

 A procura por qualificação também atingiu quem já tem mandato. O deputado estadual João Vitor Xavier, do Cidadania, e o deputado federal Fred Costa, do Patriota, são políticos com vários mandatos e que decidiram voltar para as salas de aula. Eles foram aprovados no processo seletivo para integrar a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), entidade mantida por doações de pessoas físicas que capacita e aproxima pessoas com mandato e outras que planejam entrar na vida pública.

“Estou no meu quinto mandato, mas nós devemos sempre buscar o aprimoramento”, conta Costa, que já foi vereador por Belo Horizonte por dois mandatos, deputado estadual duas vezes e, agora, cumpre o primeiro mandato em Brasília. 

Já o que motivou Xavier foi fazer parte da rede de relacionamentos da Raps. “Em um contexto de polarização, aproximar de pessoas que, mesmo estando em outros partidos, têm uma visão de mundo parecida com a minha, como a defesa pela pauta da sustentabilidade, foi um diferencial”, explica.

Renovação

Para o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Paulo Roberto Figueira Leal, os grupos e os movimentos suprapartidários partem da premissa de que as siglas não reúnem mais capacidade de fazer renovação na política, e isso faz com que essas organizações tragam a ideia de que é possível participar da política sem legendas.

“É perfeitamente legítimo que qualquer grupo queira interferir na agenda pública, formando quadros que concordem com essas avaliações e ocupem cargos para implementar essas políticas públicas”, explica.

De acordo com Leal, os políticos egressos desses movimentos têm interpretações de questões econômicas, sociais e políticas, muitas vezes, diferentes das siglas pelas quais se elegeram. “Um exemplo é a deputada Tabata Amaral, que, oriunda do RenovaBR, foi acusada de dupla militância pelo PDT, seu partido, ao votar a favor da reforma da Previdência”, afirma.

Disputa

O processo da Raps que escolheu os deputados mineiros selecionou outras 97 pessoas no país, sendo dez de Minas Gerais. Ao todo, foram 7.030 candidatos, o dobro da edição anterior. 

As aulas terão início em janeiro. Na eleição passada, 38 membros foram eleitos: 16 deputados federais, 17 estaduais, três senadores e dois governadores (RS e ES).