O sucesso do Carnaval de Belo Horizonte tem movimentado o meio político. O governador Romeu Zema (Novo) colocou o apoio que o Estado tem dado à folia na capital como uma tentativa de “salvar” a festa, irritando o prefeito Fuad Noman (PSD), que usou as redes sociais para respondê-lo.
De modo geral, a tentativa de políticos de surfar na onda do Carnaval bem-sucedido da capital pode render frutos em ano eleitoral, de acordo com especialistas, porém, eles frisam que é preciso haver uma calibragem, para que o eleitor não leia as investidas como um ato de oportunismo.
“Todo evento popular chama atenção do meio político. Quem puder aparecer patrocinando ou favorecendo de alguma forma tende a se beneficiar. Um ponto que limita o uso político do Carnaval é que o eleitor que está no Carnaval tem como prioridade se divertir e muitas vezes vê com desconfiança essas tentativas de algum político de se promover com a festa”, avalia o cientista político Adriano Cerqueira.
Nessa semana, Fuad trocou farpas com Zema criticando a tentativa do governo de Minas de aumentar seu protagonismo na folia belo-horizontina. Para Cerqueira, os dois podem se beneficiar com a vinculação na festa, mas de formas diferentes. “O Zema já é bem conhecido do eleitor, mas ele não vai disputar a prefeitura e pode utilizar a festa para tentar promover um candidato de sua escolha. Para Fuad, que ainda é pouco conhecido, seria uma boa oportunidade para aparecer e se promover”, destaca.
Apesar da polêmica da semana ter girado em torno da relação entre prefeitura e governo do Estado, outros nomes conhecidos da política mineira já fizeram questionamentos durante o pré-Carnava. O presidente da Câmara Municipal, Gabriel Azevedo (sem partido), que participou do Ensaio Geral do Carnaval no último fim de semana como folião, criticou a gestão de Fuad. “A prefeitura, apesar de possuir uma empresa estatal voltada para o turismo, a Belotur, não conseguiu captar patrocínios suficientes no setor privado”.
“No carnaval, eu quero mesmo é ser um folião. Mais um a estar na rua aproveitando a festa como tantas outras pessoas. É o que venho fazendo há anos a despeito de ocupação na vida pública. E, para além disso, dentro das funções ocupo, é essencial garantir que essa atividade cultural ocorra de maneira cada vez melhor para quem vive em Belo Horizonte e para quem vem aproveitar o período carnavalesco na Capital Mineira”, diz o presidente da Cãmara.
A deputada Bella Gonçalves (PSOL) também entrou na polêmica e marcou posição contra o governador. “Preciso concordar com Fuad. O simpático do Zema está cheio de caô nesse 2024”, declarou. Até políticos da capital menos afeitos à pauta de Carnaval têm divulgado suas ações de apoio a atividades de Carnaval, além de destinar emendas para apoiar a festa.
Em contato com a reportagem, a parlamentar disse que é necessário juntar forças para um melhor Carnaval na capital. “A prefeitura de BH sempre deu o sangue para o Carnaval sozinha, construindo com os blocos, pensando o melhor carnaval, e essa disputa agora não faz sentido, a atuação deveria ser mais complementar entre os poderes públicos”, afirma.
Popular
Para Rafael Barros, um dos organizadores do movimento “Praia da Estação”, marco da retomada da ocupação festiva das ruas de BH, julga como oportunismo e condena o que ele chama de “tentativa de institucionalização” do Carnaval.
“O que Minas está vivendo hoje é uma tentativa de apropriação, que já aconteceu em 2012 e 2013 com o ex-prefeito Marcio Lacerda”, avalia. “Eles utilizam a Lei de Incentivo à Cultura, com recurso das empresas públicas e orientam para aquilo que eles querem, aprovam projetos e garantem financiamento para promotores culturais que executam projetos que são, na verdade, iniciativa do governo do Estado”, argumenta.
O secretário de Estado de Turismo e Cultura, Leônidas Oliveira, nega a tentativa de institucionalizar o Carnaval. “Carnaval é arte, e arte é também ato político, mas não pode ser partido político e palco de ofensas como mecanismo eleitoreiro polarizado”. Ele alega que o investimento que o Estado faz na folia em Minas tem como único objetivo trazer mais qualidade e visibilidade para a festa.
“É impossível para uma cidade receber 5,5 milhões de pessoas numa festa desse tamanho sem segurança, saúde, banheiros e assim em diante. Isso não é institucionalizar o carnaval”.
Gilberto Castro, presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), nega que a prefeitura esteja politizando o Carnaval. “Nesses últimos seis anos tivemos crescimento em vários indicadores do Carnaval, na geração de emprego e renda, no número de participantes e turistas. O Carnaval é da cidade, das Escolas, dos blocos, dos turistas. Todos os que quiserem somar para tornar a festa ainda maior serão bem-vindos”, diz.
Bella Gonçalves afirmou que a festa é política na capital por ter reivindicações e manifestações sociais, mas não deve ser partidária. Gabriel Azevedo foi procurado na noite de ontem, mas não se manifestou até a conclusão desta edição.
Origem da festa neutraliza investidas
O professor e doutor em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bruno Viveiros afirma que diante da origem de contestação do Carnaval de Belo Horizonte, pode ser inútil a tentativa de capitalizar politicamente a festa.
“O Carnaval é ingovernável. Ele volta com muita força (em BH) a partir de 2010, em função inclusive de uma resposta, na época, ao prefeito Marcio Lacerda, que cercou uma praça, que é um lugar de sociabilidade pública, de vivência pública, e foi o estopim para uma variedade enorme de blocos de Carnaval atuando no centro e nas periferias”, lembra.
“A gente vê críticas políticas, marchinhas irônicas endereçadas a personalidades políticas, mostrando para o prefeito, para governador ou qualquer outra autoridade política que o Carnaval não pode ser uma festa do poder público”, avalia o professor.
Riscos colaterais
O cientista político Adriano Cerqueira avalia que a vinculação de imagens de políticos a festas como o Carnaval pode criar situações constrangedoras para eles, tendo o efeito contrário ao esperado. Ele pontua ainda que às vezes o risco não vale o benefício esperado, que segundo ele, é limitado.
“Os marqueteiros têm que ficar atentos para evitar criar cenas que podem ser constrangedoras ou criar constrangimentos ou resistências junto a alguns grupos de eleitores. Geralmente, os políticos buscam um afastamento da festa em si. O que mais ajuda mesmo é ao político desconhecido que precisa levar o nome ao público; para aqueles que já são conhecidos, o efeito é limitado”, explica o analista.
Cerqueira lembra a ocasião, em 1994, quando o ex-presidente Itamar Franco (falecido em 2011) foi fotografado em um desfile de Carnaval do Rio de Janeiro ao lado de uma modelo apenas de blusa, sem calcinha. “Foi um problema para ele e que acabou mantendo os políticos longe desse tipo de risco”, destaca.