Na última terça-feira, acionamos a Procuradoria Geral da República (PGR), junto com a bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, contra os últimos ataques ideológicos do governo às artes. Dois fatos emblemáticos baseiam a representação. Ao participar de um ato de inauguração de obras da duplicação da BR–116, o presidente Jair Bolsonaro declarou ser contrário a, “quer via Ancine, quer via Lei Rouanet, fazer peças ditas culturais que vão contra os interesses e a nossa tradição judaico-cristão (sic)”.
Também nesta semana, o Banco do Brasil divulgou edital para seleção de obras de longa-metragem que receberão investimentos do BB DTVM, via Lei do Audiovisual. Não por coincidência, o formulário para inscrição questiona se a obra tem cunho político ou religioso; se faz referência a crimes, drogas e prostituição; ou, ainda, se há cenas de nudez e sexo explícito.
Um edital público que censura e restringe manifestações artísticas, de forma prévia, é absolutamente inconstitucional e ilegal. Um ataque não apenas à Constituição do país, mas a acordos internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos. O questionário faz alusão aos capítulos mais sombrios da história do nosso país e demonstra que as recentes ameaças do presidente não são mero blefe – influenciam e orientam as políticas de fomento das estatais e implementam forçosamente um projeto obscurantista de governo.
As tentativas de censura às artes e a intimidação do livre exercício do pensamento são fatos corriqueiros na agenda bolsonarista. Em abril, o presidente exigiu que o mesmo Banco do Brasil tirasse do ar a campanha que celebrava a diversidade, estrelada por atrizes e atores negros, jovens e tatuados, usando anéis, dreadlocks e cabelos compridos. E não é apenas a produção artística: Bolsonaro vem censurando as agências reguladoras e os dados que não lhe interessa ver publicados. Citando meu amigo Gregorio Duvivier, estamos vivendo em um estado de censura permanente.
Já vimos esse filme, e, ao contrário das produções que Jair Bolsonaro quer impedir que existam, como “Bruna Surfistinha”, seu roteiro, sim, é imoral e violento. Nele, assistimos a todo tipo de morte: pela fome, pela miséria, pelas armas, pela tristeza, pelo aniquilamento das diversidades, do livre pensamento e das subjetividades. É a tentativa de matar um povo e um país que não se sabe em que circunstâncias renascerá depois de tanta destruição.
É a política da morte, que aliena o sentido libertador e contestatório da cultura, das artes e da educação e instrumentaliza o Estado para corromper as instituições e a sociedade. Ao mesmo tempo, retiram direitos trabalhistas e acabam com a aposentadoria. A lógica programada para as maiorias é trabalhar até morrer, de domingo a domingo, sem pensar para não questionar tamanha penúria. A reação é urgente e precisa vir de forma comprometida, com a força das ações coletivas.
Nesta semana, milhares de pessoas, em todos os cantos do Brasil, foram às ruas. Os protestos denunciaram as medidas de desmonte do governo Bolsonaro na educação, como os cortes orçamentários e o programa Future-se. Não tenho dúvidas de que uma resistência poderosa continuará emergindo a partir dos artistas, das professoras, dos estudantes, dos povos tradicionais, das mulheres, das juventudes.
Nós estamos com elas e eles e seguimos firmes na defesa dos direitos conquistados. Lutaremos para impedir que a tirania se instale neste país. Trabalharemos sem descanso, sem nos acovardar, reafirmando: censura nunca mais.