A reunião ministerial de 22 de abril desvelou ainda mais as entranhas de um governo autoritário e sem respeito pela população e pelo Estado democrático de direito. As falas do presidente e de sua corja revelam o projeto da necropolítica para o Brasil, mas o que ali não se ouve também diz muito: a crise humanitária gerada pelo coronavírus pouco importa ao desgoverno Bolsonaro; e, nesse bojo da negligência, está a cultura brasileira – usurpada, inclusive, de seu ministério.
O governo federal não tem política pública, mas tem um projeto muito bem estruturado: censurar a arte, criminalizar os fazedores de cultura e aprofundar o processo de genocídio e apagamento cultural dos povos e das comunidades tradicionais. Diante da pandemia, o governo, como vem ocorrendo em outras áreas, aproveita a tragédia para “passar a boiada” que garantirá seu plano de destruição. Exemplo disso é o decreto de 21 de maio, que incorpora a Secretaria da Diversidade Cultural à Secretaria da Economia Criativa, na simbólica data em que o mundo celebra o Dia da Diversidade Cultural.
Na esfera estadual, o governador Romeu Zema contingenciou quase 96% do orçamento do Fundo Estadual de Cultura (FEC) e cortou 45% do orçamento da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo. Após denúncia assinada por mim e mais 14 parlamentares, o Ministério Público de Minas Gerais pediu informações sobre as motivações de corte tão drástico, abrindo processo para fiscalizar o orçamento da cultura. Descongelar os recursos do FEC é ainda mais importante após aprovação do Projeto de Lei 1.801 na Assembleia, que indica ações emergenciais de fomento ao setor.
A Gabinetona, por meio do mandato da deputada federal Áurea Carolina, ao lado de vários partidos e com o apoio de fazedores culturais do país, colaborou para a construção e aprovação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, que tem assinatura da Bancada Federal do PSOL e já foi apreciada em primeiro turno pela Câmara. A proposta foi aprovada por todos os partidos, exceto o Novo, do governador Zema, e segue para o Senado.
Essa lei vai destinar R$ 3 bilhões para Estados, Distrito Federal e municípios, com o intuito de reduzir os impactos econômicos causados pelas restrições às atividades profissionais do setor, por meio de ações de fomento direto, como subsídio mensal para trabalhadores, espaços e pontos de cultura; e indireto, como linhas de créditos a juros baixos. Desses recursos, Minas Gerais pode receber mais de R$ 135 milhões, e a capital mineira, quase R$ 30 milhões.
Em BH, o governo Kalil tem dado uma resposta firme no combate da pandemia, em oposição às forças negacionistas que assombram a saúde do povo. Enquanto Bolsonaro ataca a ciência e Zema adota uma postura errática, as decisões da prefeitura, inclusive de reabertura escalonada do comércio, vêm sendo construídas por infectologistas respeitados e baseadas em dados científicos. A PBH também tem amparado populações vulneráveis com a distribuição mensal de cestas básicas, dentre outras ações.
É urgente, no entanto, que o Poder Executivo municipal apresente um plano de ações também para a proteção do setor cultural. Em 17 de abril, carta assinada por quase 900 agentes culturais foi encaminhada ao prefeito em apoio às medidas de isolamento e com o pedido urgente de ações para a cultura. Entretanto, ainda não foram dadas respostas ao pedido. A expectativa é que, durante a audiência pública, hoje, às 15h, transmitida pelo site da Câmara Municipal, haja alguma sinalização ao setor.
A cultura foi a primeira a sair das ruas, mas nunca parou e não pode parar. Precisamos de arte, de música, de literatura, da força das manifestações populares, de teatro, de tradição e de inventividade para seguirmos em contato com nossa humanidade, simbolizando o horror e a tragédia para transmutá-los em vida, em reconstrução e em possibilidade de futuro.