Completamos, no último dia 20, quatro meses desde a decretação de calamidade pública em Minas Gerais. Conforme o tempo passa, pouco muda, e as mortes aumentam, fica cada vez mais difícil garantir que população fique em casa e que o comércio não essencial continue fechado. Além disso, o isolamento social prolongado acaba restringindo o direito do povo de ocupar as ruas e de se manifestar sobre assuntos que interferem diretamente em suas vidas, dificultando o exercício da democracia.
Foi assim com a reforma da Previdência proposta por Romeu Zema e com outros projetos que tentam se aproveitar do impedimento de aglomerações para passar medidas antipovo. Jogada lamentável e suja, que contribui para o aprofundamento da crise generalizada em que nos encontramos.
Neste momento em que os trabalhadores se veem obrigados a escolher entre lutar pela preservação dos seus direitos ou preservar a própria vida, o poder público deveria estar ampliando sua capacidade de escuta. No entanto, o que tem acontecido é o contrário: um ensurdecimento proposital das instituições em relação aos problemas sociais.
É o caso da população do Serro, que há mais de dez anos resiste às intimidações e às tentativas de implantação de empreendimentos minerários ilegais na região, que ameaçam o acesso à água e aniquilará as comunidades quilombolas que ali residem. Na última quinta-feira (23), fizemos uma reunião pública virtual com representantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), especialistas em direitos humanos e direito ambiental e também com uma representante da comunidade quilombola de Queimadas para denunciar a gravidade dos conflitos que estão acontecendo no território, que deveria ter como única preocupação o enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Venho dizendo há meses que não há justificativa para que a mineração seja considerada atividade essencial em meio à maior crise sanitária do século. Essa concessão já provocou mortes e infecções em massa em municípios como Itabira e Brumadinho e permite que mineradoras prossigam com os procedimentos de licenciamento sem nenhum tipo de fiscalização ou respeito às pessoas, ao meio ambiente e às comunidades que serão diretamente afetadas.
A situação é ainda mais grave quando observamos que o mundo jurídico ainda é fortemente atravessado pelo racismo, que faz com que a defesa das comunidades quilombolas acumule pilhas de intervenções na Justiça, que não são respondidas ou são indeferidas de cara, sintoma da profunda desumanização e deslegitimação dos corpos e direitos do povo preto que fundou este país.
Também é grave a postura do poder público local, que trata com negligência as demandas da sociedade serrana quando se furta a analisar o Plano Diretor do município que, dentre outras orientações, aponta restrições e meios impeditivos para a mineração no território. Enquanto isso, o lobby e as canetadas a favor das mineradoras correm soltas.
A violação de direitos está além da dificuldade que as comunidades, que não têm acesso à internet, encontram para vocalizar a própria luta por sobrevivência: está também no gesto do poder público de não ouvir o que eles têm a dizer. Vocalizar as lutas nunca foi tão difícil e tão importante. Acompanho esse e outros casos de violações de direitos cometidas por mineradoras desde 2019, e, se preciso for, acionaremos novamente o Alto Comissariado da ONU para que tome posição e providências em relação às violações de direitos cometidas por mineradoras internacionais.
Queremos respeito às nossas leis e ao nosso povo, que precisa ser ouvido sobre decisões que afetarão seu passado, presente e futuro. Não seremos silenciados!