Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à prisão em segunda instância, iniciou-se um movimento oportunista e, ao mesmo tempo, inoportuno, em defesa da elaboração de outra Constituição. É uma proposta totalmente sem razão de ser e antidemocrática, que deve ser repelida com toda força, tamanha a sua inconsequência e os riscos que oferece ao Estado democrático de direito.
Tenho perguntas que gostaria que as vozes que pregam o fim da Constituição de 1988 me respondessem. Antes, entretanto, uma rápida explicação sobre nossa Carta Magna: a lei maior do Brasil é semirrígida. Isso significa que todos os seus pontos, à exceção de quatro, podem ser alterados pelo Congresso Nacional, por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), como está expresso no artigo 60, parágrafo 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 1- a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. Nada mais cristalino, irretorquível e óbvio. Todavia, infelizmente, há quem desconheça o óbvio e tente torcer a lei para atender a interesses nada republicanos.
É a essas pessoas que pergunto: alguém quer mudar a forma federativa do Estado? Por acaso há insatisfeitos com a atual Federação que queiram redefinir nosso sistema federativo ou, até, criar um Estado unitário? Talvez, determinados grupos queiram abolir o voto direto, secreto, universal e periódico? Seria útil saber o que pode justificar tamanha distorção na interpretação de nossa legislação.
Vamos supor então, por um momento, que temos no país quem considere a separação dos Poderes um problema e decida implantar algo diferente do que foi conceituado pelo barão de Montesquieu como pilar da democracia. Seria este o motivo para se propor a elaboração de outra Carta Magna? Ou quem sabe,o problema esteja na proteção integral dos direitos e garantias individuais?
Como se vê, não há razão que possa endossar o desvario de quem tenta golpear a democracia com a proposta de uma Constituinte. É tese insustentável que, lamentavelmente, ganha apoio até no Congresso, onde alguns eleitos pelo voto popular se insurgem contra o arcabouço legal que lhes assegurou a conquista do mandato.
Há outros argumentos de quem quer jogar no lixo a Constituição de 1988 que também são inaceitáveis. Comparar nossa Carta à do Chile, onde há um forte movimento para a elaboração de outra Constituição, é estelionato intelectual. A Constituição vigente lá é uma herança da ditadura do general Augusto Pinochet e tem claro viés antidemocrático. A proposta de convocar uma Constituinte visa ampliar direitos e garantias individuais. Justamente o contrário do que é proposto aqui, no Brasil. Como tal, incoerente com o sistema democrático.
A Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã justamente por restabelecer a plenitude do Estado de direito após o período de autoritarismo imposto pelo golpe militar de 1964, é uma conquista do processo de redemocratização. Fecho com as palavras de Ulysses Guimarães: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”