O governo de Romeu Zema (Novo) impôs sigilo de dez anos a três anexos do acordo de leniência firmado entre o Estado e a Andrade Gutierrez. Isso significa que os detalhes dos crimes e irregularidades que a empreiteira admitiu ter cometido – como o pagamento de propina e fraudes em licitações – virão a público somente em outubro de 2031. A informação também foi confirmada ontem pela rádio Itatiaia.

Em agosto, a Andrade Gutierrez concordou em pagar R$ 128,9 milhões a título de multa e ressarcimento aos cofres públicos estaduais relativos aos crimes que cometeu. O valor, conforme o acordo, será quitado no prazo de nove anos.

Investigação

O sigilo nos documentos foi determinado pelo controlador geral do Estado, Rodrigo Fontenelle, em 4 de outubro. O fundamento legal para a decisão foi a Lei de Acesso à Informação (LAI), que determina que informações que possam “comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”, podem ser colocadas sob sigilo.

Em agosto, Fontenelle disse que os detalhes da leniência eram sigilosos por causa de investigações do Ministério Público que estão em curso acerca dos desvios de recursos públicos cometidos pela construtora.

De acordo com o site da Controladoria Geral do Estado (CGE), os anexos da leniência da Andrade Gutierrez são os únicos documentos com dez anos de sigilo. Os demais – relatórios de inteligência do Núcleo de Combate à Corrupção e documentos relacionados a auditorias – foram classificados como sigilosos pelos próximos cinco anos. Os dados disponíveis no site são de junho de 2020 a outubro de 2021.

Após a assinatura do acordo, em agosto, o governo de Minas Gerais disponibilizou o termo de leniência. “Os fatos descritos no anexo I, objeto deste acordo de leniência, compreenderam atos de fraude em licitações públicas e pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos e a terceiras pessoas a eles relacionadas, ainda que mediante solicitação destes”, limita-se a dizer o documento.

Porém, o anexo I, cujo título é “Histórico de Atos Lesivos”, é um dos documentos que foram colocados em sigilo pelo governo Zema. Dessa forma, não é possível verificar quais as licitações públicas foram alvo de irregularidades, os agentes públicos e privados envolvidos e os valores pagos como propina.

Mais irregularidades

As únicas informações nesse sentido foram divulgadas pelo controlador geral em entrevista coletiva que anunciou a assinatura do acordo, em agosto. Segundo Fontenelle, o dinheiro devolvido pela Andrade é referente a fraudes cometidas em obras da Cemig e da Codemig, que foi a responsável pela construção da Cidade Administrativa, atual sede do governo de Minas Gerais.

Porém, na ocasião, o próprio Fontenelle indicou a existência de outras irregularidades. “A fraude em licitação é a origem, mas, depois disso, para que consiga fechar esse ciclo, a gente tem recursos não contabilizados por meio de recursos de contratação e faturamento de serviços fictícios”, disse o controlador geral.
Os anexos II e III, que também foram colocados sob sigilo pelo governo de Minas, dizem respeito às instruções e ao cronograma para a Andrade Gutierrez pagar a multa de R$ 128,9 milhões.

Segredo

Mesmo após o fim do sigilo de dez anos, as informações podem não vir a público. No documento assinado pela construtora e pelo governo, ficou estabelecido que os três anexos só serão divulgados se todas as partes envolvidas concordarem.
A Andrade Gutierrez informou que não vai comentar o sigilo imposto pelo governo Zema sobre os anexos do acordo de leniência.

Interesse público

O advogado Joab Ribeiro Costa discorda da fundamentação utilizada pelo governo de Romeu Zema (Novo) para classificar os anexos do acordo de leniência com a Andrade Gutierrez como sigilosos por dez anos. Para ele, a fundamentação da Procuradoria do Estado não é plausível porque a divulgação das informações dos crimes e irregularidades já admitidas pela empreiteira não interfere em outras investigações em andamento. 

“Quando você assina o acordo, não tem como voltar atrás. Isso não contamina o objeto de outro contrato ou investigação”, argumentou o advogado. “Uma vez que fez o acordo e foram dois contratos (Cemig e Codemig), as outras investigações são desmembradas. Não impõe risco nenhum”, continuou.

Para Joab Costa, a imposição do sigilo fere o interesse público e os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. 

“É uma autoblindagem insustentável à luz do ordenamento jurídico. A regra geral é que, depois que se celebra o acordo ou termina a investigação sob sigilo, o sigilo seja levantado”, explica Costa.

O que diz o Estado

A Controladoria Geral do Estado informou que o objetivo de impor o sigilo foi não atrapalhar eventuais investigações.

A CGE disse considerar a transparência das informações uma aliada contra a corrupção. “Isso se comprova não só pela posição de MG nos rankings de transparência, mas pelas ferramentas oferecidas (...). Contudo, ressalta a importância do sigilo das informações de investigações em curso, caso em que a efetividade das investigações deve ter prevalência sobre a publicidade de qualquer informação, a fim de garantir a segurança da sociedade e do Estado e a possibilidade de seguimento com ações investigativas e punitivas 

em relação às demais pessoas físicas e jurídicas mencionadas na colaboração”.