BRASÍLIA – A chamada “PEC da privatização das praias”, que agora está em debate no Senado, foi aprovada na Câmara em 2022 com os votos do atual ministro do Turismo, Celso Sabino, e outros três ministros de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que na ocasião eram deputados federais: André Fufuca (Esportes), Juscelino Filho (Comunicações) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos).
Por outro lado, Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Reconstrução do Rio Grande do Sul) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) foram contrários à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 3/2022). A matéria foi aprovada na Câmara em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), com 377 votos favoráveis e 93 contrários (no primeiro turno) e 389 a 91 (no segundo turno).
No Congresso, a ideia é defendida por parlamentares do centrão – integrado pelos hoje ministros que votaram a favor em 2022 – e de direita. Eles dizem que ela vai fomentar a economia nacional, especialmente o turismo. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da PEC, tem buscado acelerar a tramitação do texto, que defende a exploração da costa brasileira.
Flávio adiantou que vai rever o texto que defendia, diante da repercussão, após ele apresentar o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) semana passada. Na terça-feira (4), ele afirmou que mudará o texto original para deixar claro que a população continuará tendo o direito de acessar qualquer praia no Brasil.
No dia anterior, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a PEC, que prevê a transferência de áreas de marinha para particulares, Estados e municípios, deve ser tratada com “toda a cautela”. Ele ressaltou a importância de um debate aprofundado, dada a natureza constitucional da alteração proposta e a repercussão do tema.
Desde que Flávio Bolsonaro declarou, na semana passada, que agilizará a tramitação da PEC, a proposta tem mobilizado a opinião pública, inclusive com discussão pública entre a atriz Luana Piovani – contrária à proposta – e o jogador Neymar Júnior – favorável, já anunciou parceria com uma construtora para um condomínio na beira do mar. Provocado por Luana, sua ex, o surfista Pedro Scooby, amigo de Neymar, também entrou no debate e disse ser contra a ideia.
O governo Lula é contra a PEC. Em nota, o Ministério das Comunicações afirmou que, apesar de o hoje ministro Juscelino Filho ter votado a favor da PEC em 2022, atualmente ele está alinhado com a posição do governo. Segundo a pasta, o voto favorável à PEC foi dado em “circunstâncias e no contexto político da época”, que “são parte do processo democrático”. Os ministérios do Turismo, do Esporte e de Portos e Aeroportos não se manifestaram até o momento.
Especialistas falam em riscos ambientais, sociais e patrimoniais. Dizem que a mudança na Constituição pode se chocar com princípios de soberania nacional, justiça social e pontos importantes da preservação do meio ambiente.
Nota técnica emitida pelo Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar), afirmou que a aprovação da PEC representa "grave ameaça ambiental" às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues, além de ser um aval para "expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios".
O Observatório do Clima, que reúne diversas entidades em defesa do meio ambiente, disse que as áreas de marinha são fundamentais para preservar as regiões contra enchentes e deslizamentos, por exemplo. “Essas áreas preservam nossa biodiversidade e equilíbrio dos ecossistemas costeiros. Privatização pode trazer danos irreversíveis”, destaca trecho de nota da entidade.
Pesquisadores lembram que o nível do mar vem subindo nos últimos anos. Esse aumento avança exatamente sobre a área de segurança e dos terrenos de marinha. Essas áreas, que normalmente têm manguezais, restingas e falésias, são consideradas áreas de preservação ambiental permanentes.
Se houver perdas nessas estruturas naturais, haverá perdas de bem-estar humano e perdas econômicas. Citam a tragédia no Rio Grande do Sul, onde as perdas econômicas atingem toda a população.
Os terrenos de marinha são terras da União no litoral, entre a linha imaginária da média das marés registradas em 1831 e 33 metros para o continente. É uma faixa costeira considerada estratégica pelo governo. Também são consideradas nessa condição as margens de rios e lagoas que sofrem influência das marés.
Apesar do nome, terrenos de marinha nada têm a ver com a força armada Marinha. São determinados por estudos técnicos, com base em plantas, mapas e documentos históricos.
O conceito foi instituído ainda no tempo do Império, com a vinda de Dom João VI e da família real. As terras eram destinadas à instalação de fortificações de defesa contra invasões marítimas.
A medida de 15 braças, equivalente a 33m, era considerada a largura suficiente para permitir o livre deslocamento de um pelotão militar na orla e assegurar o livre trânsito para qualquer incidente do serviço do rei e defesa do país.
Também era um espaço estratégico para o serviço de pesca, já que era uma faixa onde os pescadores puxavam as redes. Hoje, a principal legislação sobre o assunto é o Decreto-lei 9.760, de 1946.
A área de segurança nos terrenos de marinha em outros países costuma ser maior que a adotada no Brasil. Em Portugal, por exemplo, são 50 metros; na Suécia, 100 a 300m; no Uruguai, 150 a 250m; na Argentina, 150m.
Enquanto a PEC avança no Senado brasileiro, outros países estão recomprando as áreas de praia que haviam sido privatizadas tempos atrás.