Prefeitos de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo afetados pelo rompimento da barragem de Fundão e contaminação do Rio Doce divulgaram uma carta aberta repudiando o posicionamento das mineradoras na repactuação do acordo pela tragédia de Mariana. O Fórum Permanente de Prefeitos da Bacia do Rio Doce, através do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (CORIDOCE), ainda pediu a participação ativa do presidente da República, dos governadores mineiro e capixaba e do presidente do STF nas negociações.
Em dezembro de 2023, a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, fizeram uma proposta de indenização de R$ 42 bilhões, que seriam divididos em parcelas durante oito anos. A oferta, entretanto, foi considerada como “afrontosa” e “desrespeitosa” pelos prefeitos e representantes dos atingidos na tragédia de Mariana. Em coletiva de imprensa, José Roberto Guimarães, presidente do Coridoce e prefeito de São José do Goiabal, afirmou que a mesa de negociações “não chega mais a lugar nenhum” e pediu a participação dos presidentes das mineradoras:
“É frustrante depois de tudo, isso acontecer. Os governadores e a presidência da República devem se envolver diretamente com a direção das empresas responsáveis, e os CEO’s das empresas devem se sentar na mesa, uma vez que estamos convictos que os advogados que estão sentados à mesa de repactuação já fizeram o seu papel de discussão”, declarou.
José Roberto destacou, ainda, que o valor mínimo aceito pelas prefeituras de indenização é de R$ 126 bilhões, com um parcelamento de no máximo 5 anos. Ainda conforme ele, a mesa teria chegado a conclusão que este é um valor viável, tendo em vista que as mineradoras lucraram R$ 590 bilhões após o rompimento da barragem do Fundão.
“Essa proposta ridícula, absurda, desrespeitosa na casa de R$ 42 milhões. Não é possível levar essa situação por mais um ano sem solução. O holocausto ambiental aconteceu aqui em terras mineiras e capixabas. Precisamos do Rio Doce Limpo. Precisamos que os atingidos de todas as cidades sejam justamente indenizados. Precisamos das cidades afetadas integralmente compensadas”, reforçou José Roberto.
A repactuação se encontra paralisada desde dezembro, após os atingidos recusarem a oferta de R$ 42 bilhões feita pelas mineradoras. Em carta aberta divulgada, os municípios integrantes do Coridoce ainda solicitam participar da mesa de negociação e declararam que “somente assinarão a Repactuação se conseguirem negociar os termos do acordo afetos aos seus direitos”.
O rompimento da barragem do Fundão afetou 39 cidades, sendo 36 em Minas Gerais e três no Espírito Santo. A tragédia contaminou as águas do Rio Doce, principal fonte de subsistência para as comunidades desses municípios, com 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério.
Duarte Junior, ex-prefeito de Mariana e secretário-executivo do Coridoce, reforçou o pedido para o presidente Lula, ao lado do advogado-geral da União, e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, se unissem a mesa da negociação. Em referência a fala polêmica do presidente sobre a guerra de Israel, Duarte ainda afirmou que Minas Gerais sofreu um “holocausto ambiental”. A fala foi reforçada pelos outros prefeitos presentes.
“O holocausto que tanto tem se dito é ambiental e é aqui no Brasil. É o que aconteceu aqui, o maior desastre ambiental do mundo, e não é possível que nós vamos continuar falando e não trazendo solução na mesa da repactuação. Depois de nove anos nunca foi falado o nome de um empresário. Quem está ali está sendo enganado pela Vale e pela BHP para ganhar prazo. Se o presidente Lula e o ministro Barroso não assumirem o protagonismo disso, não temos repactuação e estaremos discutindo isso daqui a 10 anos”, declarou.
O consórcio de municípios afirmou que irá enviar um documento oficial à Advocacia Geral da União (AGU), à presidência da República, aos governadores de Minas Gerais e do Espírito Santo e ao presidente do STF, solicitando a presença deles na mesa de negociação.
A Samarco afirmou, por meio de nota, que “com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Brasil, reforça o compromisso com a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, garantindo total suporte para que a Fundação Renova execute as ações previstas”.
Já BHP disse que “sempre esteve e segue comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015” e que “segue disposta a buscar, coletivamente, soluções que garantam uma reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente”.
A Vale afirmou que "as negociações seguem em andamento, apesar da pausa de final de ano, conforme publicado no site do TRF-6 à época" que "confia que as partes chegarão a bons termos quanto ao texto que vem sendo conjuntamente construído antes de definir o valor global do acordo". Já a Fundação Renova ressaltou que "foram destinados cerca de R$ 1,58 bilhão em recursos compensatórios para serem aplicados como investimento público nos municípios" e que "ao todo, foram destinados R$ 35,08 bilhões às ações de reparação e compensação até janeiro de 2024".
A AGU esclareceu, por meio de nota, que “já participa, desde 2022, da Mesa de Repactuação do rompimento da barragem em Mariana (MG)” e que “assim como os municípios da região, a União também considera a atual proposta financeira das mineradoras absolutamente insuficiente e seguirá atuando, com todas as medidas cabíveis, para que os recursos necessários à devida recuperação da Bacia do Rio Doce sejam disponibilizados.
O TEMPO também procurou a presidência da República e o STF para saber se pretendem participar da mesa de negociação, mas não recebeu retorno. Nesta tarde, a secretária de Estado de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto, recebeu os prefeitos em seu gabinete e concordou em levar a solicitação ao governador Zema.