No artigo da última semana, afirmei que a Constituição e o Orçamento são as principais leis que orientam a democracia. E quem faz as leis é o Congresso. Portanto, não há nada de mais na ideia de Orçamento impositivo, e isso não representa usurpação de poder alheio.

Como eu havia afirmado, durante muito tempo, o Orçamento era uma peça de ficção. As emendas parlamentares serviam de instrumento de pressão sobre o Parlamento, e quem divergia do governo não tinha suas emendas executadas.

Em 2015, o Congresso aprovou o caráter obrigatório da execução das emendas individuais. Foi uma verdadeira alforria aos parlamentares, que ganharam um grau maior de liberdade para expressar suas opiniões e votar conforme suas consciências, longe das pressões do Planalto. O Orçamento brasileiro é extremamente engessado pelas despesas obrigatórias (salários, Previdência, juros, custeio da máquina) e vinculações como as da saúde e educação. Apenas 6% dos recursos são de execução discricionária.

Agora, na votação do Orçamento Geral da União (OGU/2020), o Congresso estendeu o caráter impositivo para as emendas de bancada, relator e comissões temáticas. O problema é que houve um acordo costurado por dois ministros de Estado com as direções do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e o dispositivo foi vetado, dando origem a toda a polêmica.

O texto feito está cheio de imperfeições, é verdade. O Orçamento para ser impositivo tem que estar todo explicitado na lei orçamentária aprovada. Não faz sentido transferir para o relator, que inclusive tem seu papel esgotado no momento de votação da lei orçamentária pelo plenário do Congresso Nacional, a original função de um “preordenador” de despesas, interferindo, aí, sim, nas funções do Poder Executivo. É preciso que a dinâmica de investimentos pontuais e localizados se resuma às emendas individuais e que o restante tenha lógica estruturante e alinhada com as políticas públicas setoriais.

Não devemos abandonar uma excelente ideia, o Orçamento impositivo, por um tropeço que é natural no aprendizado democrático. Mas é necessário que amadureçamos regras de construção do Orçamento anual brasileiro consistentes, transparentes e eficientes.

O melhor exemplo é o dos Estados Unidos. Lá quem faz o Orçamento é o Congresso, e o Executivo é obrigado a executá-lo integralmente. Se houver alguma alteração da realidade financeira, por frustração de receitas ou crescimento inesperado de determinadas despesas, o Executivo tem que pedir autorização ao Legislativo. O Executivo nem sequer apresenta, como aqui, uma proposta orçamentária detalhada, limitando-se a oferecer uma sugestão apresentada por um parlamentar ligado ao governo.

Mas precisamos, se quisermos avançar, começar por blindar a receita, como é o caso dos Estados Unidos, por meio de um órgão técnico que a fixe com critérios rígidos e competentes. O Congresso só determinaria as despesas a partir da receita dada. Além disso, devem ser consolidadas regras para que os investimentos propostos reflitam as prioridades sociais e a avaliação sobre os diversos programas e investimentos.

Quando você for às ruas, defenda suas ideias e as lideranças que merecem seu apoio, segundo o seu ponto de vista. Mas não agrida a democracia, a liberdade e as instituições. São elas que nos asseguram o direito de ir às ruas.