Desdobramento

Moro comemora ação da PF e associa prisões a mensagens vazadas

Quatro suspeitos foram detidos temporariamente (por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco) na terça-feira (23)

Por Folhapress
Publicado em 24 de julho de 2019 | 22:10
 
 
 
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O ministro da Justiça, Sergio Moro, associou a prisão das quatro pessoas suspeitas de hackear seu telefone e os números de outras autoridades à divulgação de mensagens que mostram interferência do ex-juiz da Lava Jato nas investigações da força-tarefa da operação.

Essa conexão, no entanto, não foi citada na decisão do juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que autorizou as prisões dos suspeitos Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques.

Tampouco há menção semelhante no pedido do Ministério Público que as fundamentou.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o site The Intercept Brasil informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram desde 2015.

"Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF [Ministério Público Federal] e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime", escreveu Moro no Twitter nesta quarta-feira (24).

"Leio, na decisão do Juiz, a referência a 5.616 ligações efetuadas pelo grupo com o mesmo modus operandi e suspeitas, portanto, de serem hackeamentos. Meu terminal só recebeu três. Preocupante", concluiu o ministro.

Os quatro suspeitos foram detidos temporariamente (por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco) na terça-feira (23). As ordens de prisão foram cumpridas em São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os envolvidos foram transferidos para Brasília.

Os jornalistas responsáveis pelo The Intercept Brasil rebateram a mensagem de Moro. Glenn Greenwald, fundador do site, disse no Twitter que o ministro da Justiça "está tentando cinicamente explorar essas prisões para lançar dúvidas sobre a autenticidade do material jornalístico".

"Nunca falamos sobre a fonte. Essa acusação de que esses supostos criminosos presos agora são nossa fonte fica por sua conta [Moro]", acrescentou Leandro Demori, editor-executivo do site.

Na decisão que fundamentou as prisões, o juiz Vallisney de Souza Oliveira apontou "fortes indícios" de que os quatro investigados "integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades brasileiras via invasão do aplicativo Telegram".

Segundo ele, os fatos demonstram que os suspeitos são "responsáveis pela prática de delitos graves".

O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis.

Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, também foi alvo do grupo. O caso dessas autoridades está sendo tratado em inquérito aberto pela Polícia Federal no Paraná.

As investigações apontam para um grupo que tinha o perfil de quem praticava fraudes bancárias eletrônicas. Segundo a PF, os suspeitos estavam envolvidos no esquema "em diferentes graus".

Em uma rápida apresentação a jornalistas –na qual não foram admitidas perguntas – João Vianey Xavier Filho, coordenador-geral de inteligência da PF, e Luiz Spricigo Jr., diretor do Instituto Nacional de Criminalística da corporação, afirmaram que em um dos endereços associados aos suspeitos foram encontrados quase R$ 100 mil em espécie.

Eles disseram também que foram identificadas movimentações financeiras suspeitas dos envolvidos.

O juiz que ordenou as prisões determinou a quebra do sigilo bancário dos suspeitos no período de 1º de janeiro a 17 de julho deste ano e o bloqueio acima de R$ 1.000 em suas contas.

O despacho informa que Gustavo Santos movimentou R$ 424 mil entre 18 de abril de 2018 e 29 de junho de 2018, tendo uma renda mensal de R$ 2.866. Sua companheira, Suelen, também detida, movimentou R$ 203 mil de 7 de março a 29 de maio de 2019, sendo que sua renda mensal registrada seria de R$ 2.192.

Gustavo Santos e Suelen negaram a seu advogado qualquer participação no ataque a celulares de autoridades.

Santos disse a seu defensor que foi Delgatti, de quem é amigo, que lhe mostrou mensagens de autoridades obtidas ilicitamente.

"O próprio Vermelho [apelido de Delgatti] mostrou algumas coisas para ele [Santos], e ele assustou e falou: 'Meu, cuidado com isso aí porque pode dar problema'. Na verdade, ele não acreditou naquilo, mas, pelo que foi narrado, mostraram algo para ele a respeito disso [invasão do celular de Moro]", disse o advogado Ariovaldo Moreira.
A defesa de Walter Delgatti não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

Danilo Marques negou em depoimento prestado nesta quarta que tenha qualquer participação nos crimes.

"Ele [Danilo] não tinha conhecimento [das mensagens obtidas ilegalmente], não viu nenhuma mensagem", afirmou a defensora pública federal Manoela Maia Cavalcante Barros, que o representa.
Na apresentação da PF, Vianey e Spricigo Jr. afirmaram ainda que as investigações indicam que um grande número de pessoas pode ter sido alcançado pela ação dos suspeitos. Segundo os dois agentes, cerca de mil números telefônicos foram alvo de um esquema de hackeamento semelhante ao de Moro.

"Há a possibilidade de que haja um número muito grande de vítimas desse mesmo tipo de ataque", declarou Vianey.

Também há um forte indicativo de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha sido atingido pelo grupo, disseram os agentes da PF. Isso porque nos equipamentos apreendidos foi encontrada uma pasta de arquivos virtuais com o nome de Guedes.

"Ontem pela manhã [23] foi divulgado que o ministro Guedes havia sido 'hackeado' e numa apreensão estava uma conta no aplicativo de mensagens vinculada ao nome de Paulo Guedes", disse Spricigo Jr.

A operação deflagrada se chama Spoofing, termo que, segundo a PF, designa "um tipo de falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável quando, na realidade, não é".

A Polícia Federal investiga se ao menos mais cinco pessoas participaram da invasão de celulares. Os investigadores pediram a quebra dos sigilos telemáticos (de emails) de pessoas cujas caixas de mensagens estavam associadas à invasão das contas.
Elas foram identificadas como Anderson, Alexandre, Naya, João Paulo e Marta.

Em sua decisão, o juiz Vallisney de Souza Oliveira determinou que sejam fornecidos os dados cadastrais e os registros IP de acesso, além de todos os dados e arquivos em nuvem referentes às contas de e-mail atribuídas a essas pessoas.

Em junho, Moro deu explicações sobre sua atuação como juiz da Lava Jato na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Durante aquela sessão, Moro narrou o ataque hacker de que foi vítima. Afirmou que, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número lhe telefonou três vezes.

O ex-juiz afirmou ainda que deixou de usar o Telegram em 2017. Após notícias de ataques hackers nas eleições dos Estados Unidos, ele começou a desconfiar da segurança do aplicativo, que tem origem russa.

O ministro diz que apagou o aplicativo de seu aparelho e que não tem mais os arquivos das conversas.

Os agentes da PF traçaram uma linha do tempo dos procedimentos que foram adotados e que culminaram na prisão dos quatro suspeitos na terça.

Vianey e Spricigo Jr. disseram que em abril começaram a receber relatos de procuradores dando conta de que integrantes da força-tarefa da Lava Jato estavam recebendo ligações dos próprios números –o meio pelo qual, segundo as investigações, os suspeitos se valeram para invadir os telefones (leia mais na pág. A5).

Em junho, a mesma ocorrência foi detectada no celular de Moro, de desembargadores e de delegados da PF.

"O padrão de ação foi identificado e em dez dias a gente já tinha identificado o modus operandi", disse Spricigo Jr.

A partir desse ponto, a PF entrou em contato com operadores para rastrear os números IP que por fim levaram aos suspeitos.

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