A indefinição sobre a data das eleições municipais de 2020 não impediu que os pré-candidatos dessem início à campanha eleitoral mesmo fora do período oficial. Nas últimas semanas, as redes sociais foram inundadas por vídeos, artes e publicações impulsionadas pelos pré-candidatos. Apesar dos gastos serem permitidos, não há prestação de contas sobre a pré-campanha, o que afeta a transparência das eleições.
Oficialmente, a campanha eleitoral começa apenas no dia 16 de agosto se mantido o calendário atual. No entanto, uma decisão do ministro Luiz Fux quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018 deu mais liberdade para a atuação dos pré-candidatos durante os meses que antecedem o início da campanha.
“Essa decisão é conhecida como ‘o precedente de Várzea Paulista’. Ela diz que tudo que é permitido na campanha também é possível pré-campanha”, explica o professor de direito eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Diogo Rais.
A principal diferença é que o candidato não pode pedir explicitamente votos durante a pré-campanha, conforme a legislação eleitoral. De acordo com o professor, a única exigência determinada por Fux no “precedente de Várzea Paulista” é que os gastos com ações de campanha e de publicidade antes do período oficial sejam moderados e compatíveis com os gastos do “candidato médio”.
“Não há um parâmetro específico, mas a ideia é que seja de acordo com aquela realidade ali (onde o candidato está concorrendo)”, diz Rais. “Não é um ‘liberou geral’, é bom ficar esperto sobre a origem do dinheiro e o volume. Não pode ser dinheiro de empresa, por exemplo”.
O professor de direito eleitoral também manifesta preocupação com a falta de transparência dos gastos realizados na pré-campanha. “Sempre é perigoso porque não há prestação de contas na pré-campanha. Mas foi uma falha da lei, que deveria ou prever a prestação de contas ou a proibição do uso de dinheiro nesse período”, afirma Diogo Rais.
Na decisão, Fux argumenta que “a completa exclusão do dinheiro acarretaria graves limitações fáticas ao exercício da liberdade de expressão, máxime porque mesmo as formas mais comezinhas de propaganda carregam, naturalmente, os seus respectivos custos intrínsecos”.
O professor de direito eleitoral do Ibmec, Leonardo Spencer, lembra que, embora a decisão já estivesse valendo nas eleições de 2018, é a primeira vez que o precedente está sendo aplicado em eleições municipais.
“A eleição de 2018 foi para presidente, governador, senador e deputados. Ou seja, eram poucos candidatos. Agora as eleições são para prefeitos e vereadores. São milhares de postulantes”, diz. “O fato de a campanha começar no dia 15 de agosto vai virar uma mera formalidade porque o candidato apenas vai receber o número com o qual vai concorrer”, completa.
Spencer também manifestou preocupação com a falta de transparência dos gastos realizados durante a pré-campanha.
“O grande problema é que você não tem controle do que está acontecendo. De onde está vindo esse dinheiro? Você vê que as pré-campanhas são estilizadas, inclusive vereadores da mesma chapa com o mesmo material gráfico. Ou seja, é uma empresa que está fazendo. Se é uma empresa que está fazendo, ela está sendo paga. Não é que o filho do candidato sentou na frente do computador e fez para o pai”, disse.
De acordo com o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), apesar de não haver exigência de prestação de contas na pré-campanha, os candidatos podem ser punidos.
“Se até a diplomação alguém representar contra o candidato por excesso de arrecadação, inclusive caixa 2, e de gastos na pré-campanha, e houver provas consistentes de tudo, esse candidato poderá vir a ser cassado”, disse. A representação contra os candidatos pode ser feita por adversários, partidos políticos, coligações e pelo Ministério Público.
Em um caso recente, a senadora Selma Arruda (PODE-MT) teve o mandato cassado pelo TSE por abuso de poder econômico e caixa dois. O tribunal considerou que ela realizou gastos de “valores expressivos” durante a pré-campanha. De acordo com o Ministério Público, ela arrecadou R$ 1,2 milhão em caixa dois. Deste valor, R$ 855 mil foram gastos na pré-campanha. A título de comparação, a ex-senadora declarou ter gasto R$ 1,7 milhão durante a campanha eleitoral.
Impulsionamento está permitido
O impulsionamento de publicações em plataformas da internet também está permitido na pré-campanha. Esta será a primeira eleição municipal que a prática não será vedada. O impulsionamento foi liberado nas eleições de 2018, mas era proibido nas eleições municipais de 2016.
Durante o período eleitoral de 2018, o Facebook, por exemplo, disponibilizou uma página onde era possível verificar quais publicações os candidatos estavam impulsionando e o valor gasto em cada um dos impulsionamentos.
“Eu particularmente defendo que é possível sim o impulsionamento (na pré-campanha). O TSE tem várias decisões nesse sentido. Agora, tem tribunal que está considerando proibido. Mas o precedente que vale é o do TSE”, afirma o professor do Mackenzie, Diogo Rais.
A reportagem questionou o TRE-MG sobre o entendimento do tribunal em relação ao impulsionamento de publicações nas redes sociais durante a pré-campanha, mas o órgão não respondeu.