A censura decretada contra artistas no Festival Lollapalooza pelo ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, além de inconstitucional, explicitou que há ainda resquícios do entulho autoritário da ditadura militar (1964-1985) em nosso país. Por sinal, é no dia 31 de março (ou 1º de abril, como defendem alguns historiadores) que se completarão 58 anos do golpe que levou nosso país ao arbítrio e ao obscurantismo.
Os dois eventos – a censura do TSE e o 31 de março – não podem ser vistos isoladamente, num momento em que o Brasil faz uma travessia e a sociedade brasileira vislumbra, com as eleições de outubro, a possibilidade de romper com um modelo autoritário e voltar com a democracia, que deve acabar também com o desemprego, a miséria, a destruição ambiental e desalento.
A decisão do ministro, a partir de pedido do PL, partido de Bolsonaro, evoca os tempos sombrios da censura prévia, que se abatia sobre artistas e todos os que se manifestavam pela democracia no Brasil. Ou seja, a ação foi movida por representantes de um governo notadamente avesso aos debates, aos artistas e à própria democracia. O atual governo alimenta-se na ceva do autoritarismo, tanto que o ex-capitão que ora é presidente da República defendeu, e defende, abertamente a tortura, um crime contra a humanidade.
Os setores democráticos da sociedade brasileira repudiam a censura e também os saudosistas da ditadura militar. A luta pela democracia e pela liberdade de expressão custou o sacrifício e até a vida de brasileiros e brasileiras. Os artistas tiveram papel importantíssimo na luta contra o arbítrio, expressando-se nos palcos, na música, na literatura e nas ruas.
O 31 de março deve ser lembrado como golpe contrário aos interesses nacionais e populares. Durante a ditadura militar morreram 434 dissidentes políticos, parte deles ainda desaparecidos, além de centenas de indígenas. Calcula-se que entre 30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Foi um regime de crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais). Barbaridades efetuadas de forma sistemática, como política de governo, decidida nos altos escalões militares.
Bolsonaro e seus seguidores devem se submeter à Constituição e não têm o poder de desconsiderar os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 1964 como uma ditadura. O Estado brasileiro já reconheceu, em várias instâncias, sua responsabilidade pelos atos de agentes públicos durante o período de exceção.
O episódio do Lollapalooza evidenciou que o direito à liberdade de expressão é um pilar do Estado Democrático de Direito. Como afirmou a ministra Cármen Lúcia, do STF: “Cala a boca já morreu”. Por outro lado, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário determinam o respeito à democracia e consideram obrigação de qualquer governo a defender as liberdades democráticas.
Que a defesa da liberdade dos artistas do Lollapalooza se transforme num marco de resistência nestes tempos sombrios em que ainda pairam no ar tentações autoritárias. Ninguém vai calar a voz do povo e amordaçar a democracia. Censura e ditadura nunca mais!