Política em Análise

Governo eclesiástico

Com Jair Bolsonaro, Estado e religião são cada vez mais indissociáveis

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 11 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Se o que define um país é sua Constituição, o Brasil é um país laico. Está lá em nossa Carta Magna, no artigo 19, inciso I, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

A separação formal entre Estado e Igreja remonta a tempos muito mais antigos. Mais precisamente ao decreto 119-A, assinado por Deodoro da Fonseca e Ruy Barbosa, entre outros, em janeiro de 1890, na recém-nascida República. Foi esse decreto que extinguiu o padroado, o que levou à perda de poder político e econômico da Igreja Católica na nova ordem que era construída no Brasil.

Na prática, porém, igrejas sempre foram vistas pelo Estado como pessoas jurídicas especiais. Tanto é assim que o artigo 150, inciso III da Constituição de 1988 proíbe que União, Estados, Distrito Federal e municípios cobrem impostos de templos de qualquer culto.

Em tempos atuais, porém, a proteção às igrejas parece estar ganhando outro caráter. Com o crescimento de denominações evangélicas neopentecostais, que detêm muito mais controle sobre seus fiéis do que a desgastada Igreja Católica e, com isso, garantem a ampliação geométrica do tamanho da bancada cristã no Congresso, o Estado, cada vez mais, cede aos caprichos desse grupo.

Com Jair Bolsonaro, que se apega à mesma pauta de costumes defendida pelas igrejas, Estado e religião são cada vez mais indissociáveis, e os benefícios dessa união, para as denominações, são numerosos. O governo tem facilitado a vida das instituições religiosas de diversas maneiras. Em maio, por exemplo, isentou filiais de igrejas de registro do CNPJ. Nos últimos dias, veio uma nova oferta. Está em estudo no governo, mesmo sob a resistência do Ministério da Economia, a possibilidade de que a União subsidie a conta de luz dos grandes templos. Não é preciso dizer que a contrapartida disso é fazer o restante do cidadão, religioso ou não, pagar, por meio de impostos, ou de uma elevação de sua tarifa de energia.

A notícia chega no mesmo dia em que surgiu a revelação de que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nomeou o pastor da Igreja Sara Nossa Terra Leandro Lima como seu chefe de gabinete. Este, claro, é um cargo menor, mas os evangélicos já sabem que ganharão outro presente de Bolsonaro. Em vez do saber jurídico, o principal requisito definido pelo presidente para a indicação à próxima vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é que o pretendente seja “terrivelmente evangélico”.

Longe de mim questionar o papel das instituições religiosas, em muitos casos fundamentais na tarefa de resgatar aqueles que estão marginalizados na sociedade. Mas é bom lembrar que, quando elas se misturam com o Estado, formando teocracias, tornam-se dogmáticas e antidemocráticas. O Irã que o diga.

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