Política em Análise

O escárnio da PEC da Impunidade

No auge da pandemia, parlamentares discutem regras para dificultar a punição e o afastamento de deputados e senadores

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 26 de fevereiro de 2021 | 12:03
 
 
 
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Um escárnio. Não há outra palavra que defina o fato de que, em meio ao ápice do número de mortes e o descontrole total da pandemia no país, os parlamentares estejam discutindo mecanismos de ampliar os privilégios e diferenciá-los ainda mais dos cidadãos comuns. Assim é a PEC da Impunidade, ou PEC da Blindagem, como é tratada na imprensa e na sociedade, mas que na Câmara é chamada por seus apoiadores de PEC das Prerrogativas.

Há mais de uma semana o Brasil discute o tema, primeiro com a prisão do deputado Daniel Silveira, referendada pela Câmara, e depois com o início do debate da PEC, criada pelo grupo do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para afagar os que não aceitavam referendar a decisão do STF que mandou o bolsonarista para a cadeia. A PEC caminhou rápido, atropelando qualquer possibilidade de debate e só não foi aprovada ontem pois, em dia de decisão no Campeonato Brasileiro, faltou gente suficiente para vencer a oposição que misturou, por discordâncias diversas, PT e Novo.

Em busca de um acordo para tentar garantir hoje os 308 votos necessários para aprovar o texto, o núcleo da Câmara tentou tirar pontos que geravam mais insatisfação em parlamentares contrários. Ainda assim, o ponto central foi mantido. A proposta quer proibir que a Justiça possa afastar parlamentares. Tirar alguém do mandato seria atribuição apenas da própria Câmara, o que, diante do corporativismo reinante normalmente por lá, seria um enorme prêmio.

Além disso, há na proposta a bizarra ideia de que parlamentes presos não fiquem mais sob a custódia da Polícia Federal – o que já é bem melhor que a situação vivida pelo cidadão comum nas penitenciárias e detenções provisórias por aí. A PEC define que deputados e senadores presos ficariam sob custódia da Polícia Legislativa. É como a criação de uma prisão só para eles dentro do Congresso. Dá para acreditar?

Há pontos retirados na tentativa de acordo feita na quinta-feira, mas que podem voltar na votação de hoje. Um deles é o que define que a punição por falas dos parlamentares no exercício do mandato só possa ser aplicada pelo bondoso Conselho de Ética. A Justiça nada poderia fazer. Esse ponto em especial foi retirado para tentar cooptar o apoio do PT, que defende outros pontos da PEC mas rejeita esse. Quando retirado, porém, desagradou a ala bolsonarista do PSL que faz questão de que isso seja mantido e que ameaça votar contra a proposta se isso for retirado.

A cúpula da Câmara ainda queria criar um novo recurso no Supremo, apontando, num drible à ficha limpa, que parlamentar só poderia se tornar inelegível ao ser condenado em duplo grau de jurisdição. Ou seja: mesmo que haja decisão colegiada (o que tira qualquer outro brasileiro da eleição), seria preciso uma nova condenação para que o parlamentar não pudesse concorrer. Seria a criação da ‘ficha quase limpa’ para deputados.

Independentemente da aprovação ou não da PEC da Impunidade, já é trágico para o país que esteja sendo agora discutida. Há desde a necessidade de que o Congresso esteja atento e pressionando autoridades para que destravem o nó da vacinação, que anda muito lenta, até o debate sobre alternativas para salvar as contas públicas e, principalmente, garantir a retomada da economia, combalida pelo alastramento do vírus. Mas se alguém acreditou que Arthur Lira daria prioridade às reformas como disse em sua campanha, há no mínimo que se falar em ingenuidade. A prioridade do presidente da Câmara é dificultar a punição de parlamentares pela Justiça, considerando que ele mesmo está enrolado no STF. Todo o resto é secundário.

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