Entrevista

'Sinalização do TSE vai gerar questionamentos', diz advogado

Para Luiz Eduardo Peccinin, a mera discussão no tribunal sobre abuso de poder religioso vai aumentar a fiscalização dos candidatos religiosos por seus opositores

Por Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 12 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Mesmo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tome uma decisão sobre a punição de abuso de poder religioso até o início da campanha eleitoral em 26 de setembro, o fato da discussão já estar em andamento no tribunal fará com que partidos políticos e candidatos questionem eventuais abusos de poder religioso de seus adversários na Justiça Eleitoral.

A avaliação é do especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral, o advogado Luiz Eduardo Peccinin.

“A discussão foi lançada. Independentemente do momento da fixação da tese, isso já vai acontecer. Só pelo fato do TSE sinalizar uma abertura certamente vamos ter muitos questionamentos a partir dessas eleições”, disse ele.

O julgamento no TSE está suspenso depois que o ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto pediu vista do processo. 

Confira a entrevista:

Como é a punição ao abuso de autoridade religiosa hoje?

Na legislação eleitoral, historicamente sempre foi vedado que as igrejas façam doações financeiras para candidatos e partidos. Além disso, sempre foi proibido a veiculação de propaganda eleitoral dentro de igrejas. Quando veio o Supremo e disse “olha, pessoa jurídica nenhuma doa”, as igrejas naturalmente entraram nessa vedação. Pessoa jurídica nenhuma contribui e participa do processo eleitoral.

A partir dessa ideia de que eu não posso me utilizar do dinheiro da Igreja, da estrutura, de que eu não posso usar dos recursos de pessoal e dos meios de comunicação, eu teria uma forma de abuso dessas estruturas religiosas para alavancar a candidatura de forma indevida porque isso violaria a isonomia entre os candidatos. Teria um acesso privilegiado dos candidatos que tem uma estrutura religiosa para alavancarem suas candidaturas.

Isso se dava, geralmente, como um desdobramento daquilo que a gente tem na lei, que é o abuso de poder econômico, ou seja, o financiamento de uma fonte vedada, que é a igreja, o uso indevido dos meios de comunicação. Então, a gente desdobrava o abuso de poder econômico dos meios de comunicação para pensar esse abuso que ocorria dentro das igrejas. Isso já é discutido há alguns anos, o próprio TSE já tem reconhecido a existência dessa forma de abuso do poder religioso como um abuso das estruturas religiosas.

O que o ministro Edson Fachin está propondo?

Ele está querendo fixar uma tese de que é possível também se criar essa ideia de abuso de autoridade religiosa para proteger a liberdade do voto do eleitor. Hoje, na lei, a gente já tem a vedação à captação ilícita de sufrágio, ou seja, a compra de votos, que seria uma forma de abuso de poder econômico. Você compra o voto de alguém, você viola a liberdade da pessoa oferecendo um bem, uma dádiva, uma promessa, dinheiro etc. Nesse mesmo dispositivo, a lei diz o seguinte: “olha, o eleitor não pode sofrer nenhum tipo de coação para votar”.

O que o ministro Fachin está falando é o seguinte: eu não posso também me aproveitar do discurso religioso para violar essa liberdade. Eu impor e usar a minha autoridade como pároco, pastor, padre, usar essa confiança que o eleitor tem em mim para que eu, de forma maciça, influencie o voto dele com base nessa relação de autoridade religiosa, que naturalmente é uma relação vertical entre o fiel e seu pastor. Aquilo que vem do pastor vai ser recebido de uma forma diferenciada pelo eleitor. Vai ser muitas vezes recebida como uma verdade unívoca.

O ministro Alexandre de Moraes discorda de Fachin. Por quê?

O que o Alexandre de Moraes está querendo dizer é que a gente não tem [que ter] uma fixação de tese para criar esse novo tipo. A gente tem que se aproveitar dos tipos que já existem na lei, que já são suficientes para a gente proteger a liberdade do eleitor e a igualdade entre os candidatos e não tipificar, sem previsão na lei, um abuso que para ele não teria sentido ou necessidade.

Se eu me aproveitar da estrutura de uma empresa para me beneficiar, vai ser o mesmo abuso de poder econômico que se eu me aproveitar do poder do sindicato, do serviço público ou mesmo da própria administração. Não muda a forma de abuso e não muda também aquilo que a Justiça Eleitoral vai tutelar: o bem jurídico vai ser o mesmo, igualdade e liberdade do voto.

Quais são os perigos da fixação dessa tese?


A grande questão é você gerar um efeito silenciador e passar a promover uma perseguição do candidato que é evangélico ou que tem uma fé professada. Não é ilegítimo eu ter um candidato evangélico. Esses lobbys religiosos, essas bancadas, não são ilícitas. Assim como as igrejas têm o seu, as empresas, o setor de telecomunicações, o setor elétrico, os sindicatos,também têm. 

Se eu não proíbo que essas pessoas sejam candidatas e participem das eleições e defendam dentro do mandato as suas fés, como vou impor uma vigilância sobre o processo eleitoral dentro dessas igrejas para aquilo que está sendo feito?

E qual é o limite, quando o abuso acontece?

Tem um outro problema que é o seguinte: como eu vou mensurar essa influência? Será que o discurso do padre foi determinante para [o voto] esse fiel? Como é que eu vou fazer esse tipo de análise, que muitas vezes é subjetiva? É difícil, só pelo padre ir lá e falar 'olha, esse é meu candidato, esse é o nosso candidato'. Será que isso realmente violou a liberdade do voto da pessoa ou não? Será que ela já tinha aquele convencimento formado?

A partir da fixação da tese, os partidos políticos e o Ministério Público Eleitoral já poderiam ajuizar já poderiam ajuizar Ação de Investigação Judicial Eleitoral para apurar esse eventual abuso de poder de autoridade religiosa?

Eu acho que isso já acontecerá. A discussão foi lançada. Independentemente do momento da fixação da tese, isso já vai acontecer. Só pelo fato do TSE sinalizar uma abertura certamente vamos ter muitos questionamentos disso a partir dessas eleições. Até porque o abuso da estrutura [religiosa] já estava sendo analisado. Para pular para a análise da violação da liberdade do voto do eleitor pelo discurso religioso, eu acho que só essa sinalização do TSE já vai sim fazer com que muita gente comece a fiscalizar de fato os candidatos. Partidos de oposição principalmente.

Qual a punição caso um candidato seja considerado culpado em uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral?

É perda ou cassação do mandato e inelegibilidade por oito anos a partir da eleição onde se verificar. É diferente da suspensão dos direitos políticos, que é uma punição mais ampla, que seria votar e ser votado. A inelegibilidade é perder o direito de ser votado.

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