Trâmites

‘Venda’ da Cemig, Copasa e Codemig para abater dívida de Minas pode levar 2 anos

Período para concretizar federalização das estatais é superior ao prazo dado pelo STF para que Estado volte a ser cobrado por débito de R$ 162 bilhões

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 29 de janeiro de 2024 | 06:00
 
 
 
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Caso o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decida assumir o controle acionário de Cemig, Copasa e Codemig para abater parte da dívida de cerca de R$ 162 bilhões de Minas Gerais com a União, a federalização tomará mais tempo do que os 80 dias restantes do prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que a dívida volte a ser cobrada do Estado. A operação, que, dada a complexidade, exigiria diligências, precificações e, ainda, uma manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU), poderia se estender por até dois anos. 

A professora de Direito Administrativo da PUC Minas Maria Fernanda Pires observa que, por mais que haja o interesse dos governos Lula e Romeu Zema (Novo), a federalização não levará “menos do que dois anos”. “São três empresas com realidades muito distintas e que vão precisar de um corpo técnico muito habilitado para fazer a avaliação do preço correta, e, mais do que isso, atender a todas as exigências do TCU”, argumenta a doutora em Direito Público.  

Assim como Maria Fernanda, Rodolfo Tamanaha, professor de Direito Administrativo do IBMEC, avalia que o prazo de 20 de abril seria curto para concluir a federalização. “Mas talvez ele seja suficiente para pelo menos chegar a um acordo do que vai ser feito”, pondera Tamanaha. Para ele, o acordo seria um ponto de partida. “A operação precisa ter um contrato. Por mais que precise de autorização legislativa para ser efetivado, o ponto principal seria firmar o contrato, fixar o preço, aquela coisa toda.” 

Como já mostrou O TEMPO, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD), já sinalizou, ainda no fim de 2023, logo após o ministro Kassio Nunes Marques acatar o pedido para prorrogar a carência da dívida, que uma nova solicitação poderia ser feita ao STF. Caso haja a anuência da Advocacia Geral do Estado, a Advocacia Geral da União poderia pedir uma nova dilatação do prazo a Nunes Marques. 

A professora de Direito Administrativo da PUC Minas aponta que, durante a federalização, a União deveria fazer diligências junto ao Estado e à Cemig, à Copasa e à Codemig para conhecer os passivos fiscais, tributários e previdenciários de cada uma delas. “A partir do momento que há o diligenciamento, começa, digamos assim, uma briga pela avaliação do preço daquela estatal. Então, Minas obviamente fará a avaliação, mas a União também. Então, o TCU daria o aval sobre os valores”, explica Maria Fernanda.

Para Tamanaha, o aval do TCU não seria obrigatório, mas uma consulta tanto a ele quanto ao Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) seria aconselhável. “Acho que os Tribunais de Contas não têm competência para autorizar a federalização, porque, afinal de contas, é uma entidade vinculada ao Legislativo, mas o que os Tribunais de Contas podem fazer é avaliar apenas se a negociação que está sendo estabelecida não fere o interesse público”, pontua o professor de Direito Administrativo do IBMEC.

Segundo Maria Fernanda, a Secretaria de Estado de Fazenda e o Ministério da Fazenda serão os responsáveis pelas precificações. “Isso é extremamente complexo”, reitera a professora de Direito Administrativo da PUC Minas. “Eu nunca vi um, digamos, ao vivo e a cores, mas, efetivamente, pelo o que já li sobre o tema, é um processo extremamente complexo.”  

O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD), foi procurado, mas em razão do recesso parlamentar, não respondeu à reportagem até a publicação da matéria. O governo de Minas e o Ministério da Fazenda também foram procurados. Ambos não responderam até a publicação deste texto. O espaço está aberto e caso respondam, a matéria será atualizada.

 

Subsidiária, Gasmig seria federalizada?

De acordo com Maria Fernanda, a complexidade está, entre outras coisas, no capital das estatais, como a Cemig, que tem subsidiárias. “Imagine o que é pegar uma empresa como a Cemig, que é lucrativa, avaliar todo o seu patrimônio, e, além disso, fazer um cálculo de todos os passivos que ela tem?”, questiona a professora de Direito Administrativo da PUC Minas, que ainda lembra que um eventual programa de demissão voluntária (PDV) também deveria ser levado em conta.   

Ricardo Machado Ruiz, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que uma das subsidiárias é a Gasmig, o que, consequentemente, a coloca sobre a mesa - a Cemig tem 99,6% da Gasmig, e os 0,4% restante é de Belo Horizonte. “A Cemig é uma distribuidora e geradora de energia, tem participação em transmissora, e a Gasmig é uma outra lógica. É uma distribuidora só, não é geradora de gás. Ela compra gás e distribui”, observa o doutor em Economia.  

Questionada se há modelos que poderiam ser um caminho, Maria Fernanda diz que as federalizações anteriores deveriam ser observadas, mas pondera que o processo, caso aconteça, deve “colocar muito claramente” a manutenção da qualidade dos serviços e dos projetos sociais da Cemig. “Qual é a grande preocupação? A Cemig é um manancial de Minas. Embora o mineiro não saiba que, de fato, o Poder Público tenha muito pouco das ações, há uma sensação dos mineiros para com a Cemig de que ela é nossa”, aponta.

A Cemig, a Copasa e a Codemig não seriam as primeiras estatais de Minas Gerais usadas para abater a dívida do Estado com a União. Quando o governo Eduardo Azeredo (1995-1999) tomou um empréstimo com a União, cerca de R$ 9 bilhões à época, para refinanciar a dívida de Minas, a Assembleia Legislativa autorizou a federalização das Centrais de Abastecimento (CeasaMinas), da Companhia de Armazéns e Silos (Casemg) e do Banco do Estado (Bemge) para pagar parte do total. As três estatais foram avaliadas em R$ 1,8 bilhão na época.

 

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