Aline diniz* | Bárbara ferreira* | Bernardo miranda | Luciene câmara


Os 40 milhões de m³ de lama que causaram a tragédia em Mariana, na região Central de Minas, não surgiram da noite para o dia. Foram acumulados durante seis anos de operação da barragem de Fundão, assim como os problemas da estrutura também não apareceram de surpresa, no dia 5 de novembro de 2015. Apesar dos laudos de estabilidade, Fundão teve problemas estruturais desde o início de sua operação. Uma dor de cabeça que perseguiu os diretores da Samarco, que optaram, segundo o Ministério Público Federal (MPF), por aumentar a produção ao mesmo tempo em que buscavam uma solução de segurança, que nunca chegou.

As 272 páginas da denúncia do MPF trazem detalhes dos problemas estruturais que perseguiram a barragem. Há também dados dos recordes de produção e lucro da Samarco, controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, no mesmo período. Fundão entrou em operação em dezembro de 2008 e já nasceu com falhas. Em abril de 2009, uma erosão grave indicou que os drenos foram mal construídos. A barragem ficou sem receber rejeitos até março de 2010, e seu projeto de drenagem foi alterado.

O retorno da operação de Fundão acontece com o projeto Terceira Pelotização, que eleva a produção de 14,1 milhões para 21,7 milhões de toneladas de minério de ferro exportadas por ano. Para produzir mais, precisa-se de mais espaço para os rejeitos, e os alteamentos de Fundão ocorrem em um ritmo acima do recomendado. Em um ano e meio, o dique 1 foi elevado em 18 m, três vezes o limite de alteamento determinado pelo manual de operação da barragem, de 6 m.

Com a expansão, Fundão começa a interferir na pilha de estéril da Vale, que fica ao lado. A Samarco decide fazer um recuo no dique 1, contrariando a sugestão do projetista da barragem, o engenheiro Pimenta Ávila, e sem informar o órgão de especialistas que toda mineradora têm e que atua como forma de orientar decisões técnicas, chamado de ITRB. Um engenheiro recém-contratado pela Samarco faz o projeto do recuo em 80 m na margem esquerda do dique 1. Em dezembro de 2012, uma cratera surge, e o recuo é aumentado em mais 70 m, dessa vez sem nenhum projeto de engenharia. Nem o engenheiro da Samarco acompanha a obra, feita pela equipe operacional da empresa.

Esse recuo é apontado pelo MPF como a principal causa da tragédia. Um dos autores da denúncia, o procurador da república José Adércio Leite, destaca que, em todos os problemas enfrentados com Fundão, a Samarco priorizou a manutenção da operação para garantir os repasses de lucros às suas controladoras. “Houve um sequestro da segurança em busca do lucro. Foi uma decisão deliberada de se priorizar os lucros em detrimento da segurança, com ‘esparadrapos estruturais’”, destaca.

Apenas em abril 2013, o recuo é apresentado ao ITRB. O órgão, então, recomenda que a mineradora retome o eixo do dique 1 para a posição original do projeto, o que nunca foi cumprido pela mineradora. Em meados de 2014, a própria equipe da Samarco encontra trincas no recuo e constata a movimentação do maciço de terra. Pimenta Ávila é novamente chamado e alerta sobre os riscos de liquefação. O ITRB mais uma vez orienta que o eixo do dique volte à posição inicial.

Para o MPF, esse foi um sinal de pré-ruptura da barragem. Mas, mesmo diante do problema, o principal assunto da reunião do Conselho Administrativo da empresa é a redução dos custos para se manter o crescimento dos lucros diante de um cenário de redução do preço do minério.

Um geólogo que trabalhou com a mineradora e pediu anonimato é taxativo: a tragédia poderia ter sido evitada. “A Samarco sempre foi boa empresa, a mais séria. Mas de dez anos para cá, um grupo novo assumiu com o propósito de maximizar ganho e reduzir custo. Não era todo mundo que compactuava, muitos geógrafos não eram a favor disso. Era decisão de diretoria”, conclui.

Apenas dois piezômetros mediam a estabilidade


Dos 12 piezômetros que deveriam fazer as medições de condições de estabilidade no recuo da margem esquerda de Fundão, apenas dois estavam no local no dia do rompimento da barragem. Além disso, na semana da tragédia, a Samarco não realizou medições de estabilidade, e os equipamentos estavam em manutenção após apresentarem falhas.

Os piêzometros foram retirados do local a partir de março de 2015 e passaram a ser utilizados na barragem de Santarém, reduzindo os dados transmitidos sobre a estrutura mais instável da barragem, que já havia apresentado trincas e uma série de problemas.

No dia do desastre, os piêzometros de mediação automática não estavam funcionando, segundo um funcionário da Samarco ouvido na denúncia do Ministério Público Federal. “Conforme afirmado por Wanderson Silvério Silva, ‘não tinha nada mais registrado no sistema automatizado do piezômetro; Que, a MGA, empresa que dá manutenção nos instrumentos e nas redes, estava dando manutenção nos instrumentos nos dias 3, 4, e 5; Que, esse problema começou em setembro, que tinha semana que transmitia outras que não transmitia”, diz o texto.

Mesmo com a falha dos aparelhos de transmissão automática, na semana do rompimento não houve a medição manual das condições de Fundão.

Expediente

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