Passei o último Dia Internacional da Mulher como sempre: entre cumprimentos e muita reflexão sobre a barbaridade do número de mulheres vitimadas pela violência. Fotos chocantes atravessavam meu coração, já tão doído pelos rumos que o Brasil e o mundo vão tomando...
Reitero que não concordo com a expressão “empoderamento”, com o qual as feministas lidam com as questões relativas ao tratamento diferenciado entre nós e os homens. Para mim, o velho termo “emancipação” tem o condão de apontar para a liberdade que o mero exercício do poder não consegue atingir. Quero ser livre, não quero mandar em alguém.
Ocupar espaços públicos é – já reconheciam os atenienses – exercer a plena liberdade, mesmo que entre eles as mulheres não participassem dos negócios. Foram raros os casos de mulheres que, como Aspásia, lá ousaram falar de igual para igual. Na peça de Ésquilo, à indagação de Atossa, mãe de Xerxes, querendo saber, após a derrota dos persas para os gregos em Salamina, quem era “o rei e senhor que lhes serviria de cabeça e comandante de todos os combatentes”, responde o Corifeu: “Eles não são escravos de ninguém nem súditos”.
A luta pela emancipação feminina deve ser a luta por um mundo sem escravos e sem súditos.
Quanto à violência contra a mulher, sinceramente não acho que bastariam medidas mais repressivas. Conforme o que aprendi, quanto mais dura a pena, mais difícil fica sua aplicação, já que o juiz deve, sempre, procurar adequar a sanção ao objetivo de realizar o bem comum.
Volto, então, a me perguntar algo que me aflige: se somos nós, mulheres, as encarregadas de educar nossos filhos, por que não educamos nossos varões a nos respeitarem? Em qual ponto erramos?
Mas no Brasil há mulheres que esbanjam riqueza e mulheres que morrem de fome. Há mulheres que estudaram e mulheres que nunca saíram de seus lares. Como imaginar que haja uma mesma receita para todas? Em dados colhidos e mostrados na TV, no espantoso número de agressões de cerca de 370 por mês no Rio de Janeiro, aparece uma nova categoria de agressores: os vizinhos.
Lembrei-me de uma experiência vivida em pesquisa da qual fiz parte: entre os mais pobres, a família nuclear não existe. Existem estratégias de sobrevivência que incluem na família os vizinhos, além dos parentes próximos ou não. Certa vez, no Departamento de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito da UFMG, um caso se tornou famoso: um pai pediu que o filho fosse registrado como filho do vizinho porque este tinha carteira assinada e atendimento garantido no então INPS.
Diante de tudo isso, não creio senão em ações em que as próprias mulheres reconheçam as diferenças entre nós e comecem a educar outras mulheres, exigindo do poder público o atendimento gratuito das necessidades oriundas de nossa condição sexual e o efetivo acolhimento não apenas em delegacias especializadas, mas em todas as instituições públicas.