Num ensaio sobre a relação entre liberdade e capitalismo, Milton Friedman (1912 – 2006), líder da Escola de Economia da Universidade de Chicago, afirmava que o objetivo fundamental de uma empresa é a maximização do lucro obtido dentro da estrutura legal, sendo que qualquer outro objetivo secundário pode levar ao “puro e total socialismo”. Essa concepção de empresa tornou-se dominante até os anos 90, quando havia uma preocupação uníssona com os resultados financeiros dos empreendimentos e, ao mesmo tempo, uma absoluta indiferença com as perdas e os ganhos socioeconômicos e socioambientais de suas ações estratégicas e operacionais.
A partir dos anos 90, iniciou-se uma contraposição a essa concepção de empresa com a reformulação do conceito de competitividade. Michael Porter sintetizou essa reformulação, afirmando que uma empresa somente será competitiva se ela o for do portão da fábrica ou da porteira da fazenda para dentro, se a cadeia produtiva ou a cadeia de valor na qual se insere for competitiva em seu conjunto e se a região em que se localiza for igualmente competitiva. Uma mudança de paradigma que implicou novos modelos mentais e sistemas de crenças para as lideranças empresariais.
Essa nova concepção de empresa promoveu a ampliação em seu escopo com a abrangência de uma tríplice base de objetivos: a eficiência econômica, se a empresa criar uma vantagem competitiva sustentável, adotando estratégias de baixo custo ou de diferenciação e de diversificação dos produtos com suporte no progresso tecnológico; a sustentabilidade ambiental, se a empresa se sujeita à preservação e à manutenção dos ativos e serviços ecossistêmicos ao longo do tempo, na busca de um jogo de soma positiva entre os interesses de várias gerações; e, como terceiro objetivo, a equidade social, por meio de ações que se traduzam na melhoria na oferta de serviços sociais básicos e na formação do capital social e institucional.
Para inúmeras empresas, esse tripé de objetivos tornou-se um bem de luxo quando ocorreu a crise capitalista, a partir de 2008. Bens de luxo são aqueles cuja demanda cresce na fase de prosperidade econômica e que tendem a ser descartados na fase de recessão econômica. Assim, essas empresas retornaram rapidamente à concepção friedmaniana dos anos 70, com uma roupagem nova, de que sua missão institucional é “maximizar o valor econômico para os acionistas”.
Simultaneamente, desenvolveu-se a concepção contemporânea de valor público da empresa, a qual, como contraponto à dominância do desempenho financeiro, redefine a ideia de criação de valor, levando em consideração não apenas os aspectos hedonísticos e utilitaristas, mas também a dimensão ética e político-institucional dos negócios.
Segundo o paradigma do valor público da empresa, a sua estratégia de crescimento precisa ser monitorada através de diálogo com os interesses maiores da sociedade. Assim, muitas empresas brasileiras têm tido excelente performance financeira, criando valor para os acionistas, enquanto destroem seu valor público ao contribuir para a degradação ambiental, para a concentração da renda e da riqueza nacional e para gerar lucros manchados de lama e de sangue.
- Portal O Tempo
- Opinião
- Paulo R. Haddad
- Artigo
Lucros, lama e sangue
Segundo o paradigma do valor público da empresa, a sua estratégia de crescimento precisa ser monitorada através de diálogo com os interesses maiores da sociedade
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