Algumas mães parecem ter uma predisposição natural a gestar mais meninos ou mais meninas, por fatores que ainda não estão totalmente claros, mas que podem incluir variações no DNA, de acordo com um estudo americano. Se as conclusões estiverem corretas, elas trazem uma implicação bastante prática: talvez não valha a pena continuar tentando ter filhos de determinado sexo se a mãe já gerou duas ou mais crianças do sexo oposto.
As conclusões foram publicadas na sexta-feira (18/7) no periódico especializado Science Advances, em artigo assinado por uma equipe de cientistas da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, ligada à Universidade Harvard. Liderados por Siwen Chang e Jorge Chavarro, os pesquisadores examinaram uma base de dados de tamanho considerável - quase 150 mil nascimentos e 58 mil mães, num período que vai de 1956 a 2015.
As informações vêm de dois estudos do tipo longitudinal (ou seja, que acompanham um grupo de indivíduos ao longo do tempo) sobre o estado de saúde de enfermeiras americanas nesse período. É claro que isso pode criar um certo viés nas conclusões, assim como o fato de que 95% das enfermeiras incluídas na amostra são de origem europeia -não se pode descartar que a variabilidade genética regional pelo mundo também interfira nesse padrão.
Com base nos dados disponíveis antes desse estudo, não parecia haver nenhum padrão muito claro favorecendo o nascimento de mais filhos de algum sexo em determinadas famílias, seja por contribuição do pai, seja pela da mãe.
Grosso modo, seria de imaginar que os espermatozoides tivessem peso maior na determinação sexual, já que podem carregar tanto o cromossomo X quanto o Y, enquanto os óvulos, em geral, têm apenas cromossomos X. Isso significa que o espermatozoide com cromossomo Y é que normalmente leva um embrião a se desenvolver como menino (XY) enquanto o espermatozoide com cromossomo X leva ao desenvolvimento de uma menina (XX).
No entanto, além de haver outras combinações cromossômicas e de outros fatores interferirem no desenvolvimento sexual humano, características do organismo materno, como variações no ciclo menstrual ou no muco produzido pela mulher durante seu período fértil, entre outras coisas, também parecem influir nas chances de que a fecundação gere filhos ou filhas.
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De qualquer modo, o esperado em espécies de mamíferos, como a nossa, é que as proporções de nascimentos como um todo sejam mais ou menos parelhas, talvez com ligeira predominância do sexo masculino, que vai diminuindo ao longo do tempo porque a mortalidade masculina é quase sempre levemente mais alta em todas as faixas etárias.
Levando tudo isso em conta, a visão prevalente até agora era a de que o sexo de um bebê ao nascer seria mais ou menos o equivalente a tirar cara ou coroa com uma moeda normal: chances em torno de 50% em cada jogada, sendo que o resultado da jogada seguinte não é influenciado pelo da jogada anterior. Mas não é isso que os novos dados sugerem.
A diferença ficou clara especialmente quando se examinaram as mulheres que tiveram mais de dois filhos. Enquanto as enfermeiras com até dois filhos parecem seguir o padrão "cara ou coroa", as com três ou mais filhos parecem estar jogando uma "moeda viciada", em que às vezes há a tendência de produzir séries com apenas filhos ou outras com apenas filhas, dependendo da mãe. Em famílias que já tinham três meninos, por exemplo, a probabilidade de que o quarto bebê também fosse do sexo masculino era de 61%; já com três meninas, a probabilidade de uma quarta menina era de 58%.
Uma análise estatística feita pelos pesquisadores também identificou alguns SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único, nome dado a variantes de uma única "letra" química de DNA) que parecem estar associados à probabilidade aumentada de gerar meninos ou meninas -a associação é com SNPs diferentes dependendo do sexo. Trata-se, no entanto, de uma diferença sutil, e ainda não está claro se há de fato um elo causal.
Outro fator relevante parece ser a idade da mãe. As mulheres que começam a ter seus filhos um pouco mais tarde do que a média (na amostra, na casa dos 30 anos em diante) sofrem algumas alterações fisiológicas, como a mudança na acidez vaginal, que podem afetar as chances de sobrevivência de determinados tipos de espermatozoides. Tudo isso envolve, porém, uma multiplicidade de fatores difíceis de investigar de forma controlada.