Quebrar barreiras, desafiar limites, estabelecer novas marcas. Poucas expressões definem tão bem o momento vivido por Luiz Maurício da Silva, mineiro de Juiz de Fora, na Zona da Mata, que aos 25 anos já pode ser considerado o maior nome da história do lançamento de dardo brasileiro. Para muitos, o atletismo ainda é sinônimo de corrida e salto, mas Luiz tem feito questão de mudar essa visão a cada marca conquistada em suas provas.

Defendendo as cores do Praia Clube, de Uberlândia, e também do Exército Brasileiro, o jovem atleta tem colecionado resultados expressivos que recolocaram o Brasil no cenário internacional de uma prova quase sempre dominada por europeus e asiáticos. Dono do recorde sul-americano, Luiz Maurício alcançou 86,162 metros na etapa de Paris da Diamond League, em junho deste ano, resultado que lhe garantiu a medalha de bronze em uma das competições mais prestigiadas do circuito mundial.

Antes disso, já havia superado o próprio recorde três vezes, consolidando sua ascensão num ciclo que ficou marcado também pela presença na final olímpica nos Jogos de Paris-2024, quando alcançou 80,67 metros. O feito colocou o Brasil de volta entre os dez melhores do mundo, encerrando um jejum de 92 anos sem representantes do país entre os finalistas — lá em 1932, Heitor Medina havia terminado em 11º lugar, com 58 metros.

“Ninguém começa lançando dardo assim do nada. Tudo aconteceu muito rápido. Lá em Juiz de Fora, uma menina participou dos Jogos Escolares, foi pra um Sul-Americano. Na época, ninguém treinava, ninguém entendia nada. Depois disso, todo mundo da equipe quis aprender a lançar. Eu entrei nessa leva também, me dediquei, fui pegando dicas com quem já lançava 50, 60 metros. A partir daí, fui crescendo em todas as categorias, liderando o ranking, mas sem expectativa nenhuma. Em 2018, acho que foi a virada. Fiz índice pro Mundial competindo no Mineiro. Foi ali que as coisas começaram a acontecer. Fui vice-campeão Pan-Americano sub-20, depois sub-23, e então campeão Sul-Americano adulto. Aí veio o Mundial em Budapeste. No ano seguinte vieram os Jogos, e tem sido a realização de um sonho”, conta Luiz.

Primeiro recorde sul-americano de Luiz Maurício veio com marca de 85,57m e índice olímpico no Troféu Brasil 2024 | Alexandre Loureiro/CBAt

Hoje, o tcheco Jakub Vadlejch é quem domina o cenário. Campeão olímpico em Paris-2024 com 88,91 metros, ele sucede outro gigante do esporte, o compatriota Jan Železný, recordista mundial com 98,48 metros e dono do recorde olímpico, com 90,17 metros, marcas que seguem imbatíveis desde 1996. Fora da Europa, quem também se destaca é o indiano Neeraj Chopra, campeão olímpico em Tóquio-2021 com 87,58 metros e prata em Paris-2024. Nomes que tem cruzado com Luiz Maurício pelo caminho nas principais competições da temporada, reforçando sua posição entre os atletas mais consistentes do circuito. 

No início de julho, Luiz esteve ao lado de Chopra na disputa do NC Classic, na Índia, competição vencida pelo indiano com a marca de 82,27 metros. Na ocasião, o atleta mineiro ficou em sétimo, com um lançamento de 80,31 metros, superando nomes reconhecidos e confirmando sua regularidade.

“Competir com esses atletas que sempre foram minhas referências é a realização de um sonho. Estar perto da marca deles, em provas grandes, me faz acreditar que o trabalho está sendo bem feito”, destaca.

Em maio, no torneio de Nairóbi, no Quênia, Luiz Mauricio já havia mostrado consistência ao atingir 86,37 metros, reforçando sua condição como um dos mais regulares do mundo na temporada.

“A gente fez um trabalho bem-planejado e isso tem dado resultado. Agora, para o Mundial, acredito que estou ainda mais forte física e mentalmente. Estou pronto para essas competições que exigem mais, com qualificação e final em dias diferentes, coisa que aqui no Brasil a gente não tem”, diz Luiz.

Primeiros passos no atletismo foi em projeto social 

História de Luiz Mauricio no atletismo começou em projeto social de Juiz de Fora | Arquivo/Cbat/Divulgação

Por trás dessa ascensão meteórica tem uma história que começou lá atrás, com o esporte como ferramenta de transformação. Luiz é fruto do Cria UFJF (Centro Regional de Iniciação ao Atletismo), projeto de extensão universitária em Juiz de Fora, criado para usar o atletismo como forma de desenvolvimento social. O menino que começou lançando dardos improvisados, sem imaginar que um dia viraria profissional, encontrou ali o ponto de partida para construir uma das trajetórias mais expressivas do esporte nacional na atualidade.

“Eu comecei no Cria, que era um projeto voltado para crianças. O objetivo não era formar atleta olímpico, mas dar acesso ao esporte. É muito legal ver que hoje tem gente que estudou, se formou, virou técnico, tudo por conta daquele projeto. O esporte realmente transforma”, pontua.

A base familiar também foi fundamental. Foi com o apoio da mãe que Luiz passou pelas fases mais difíceis, quando os resultados ainda não apareciam e a estrutura era bem limitada.

“Minha mãe tem muito orgulho. Ela sempre acreditou. Agora vê que estou competindo com os caras que eu assistia na TV e fala: ‘Tá vendo? Você dizia que um dia ia estar lá’. Ela acompanhou tudo, desde quando a gente tinha um dardo só pra todas as competições”, lembra.

O que parecia distante virou realidade com disciplina, paciência e trabalho. De Juiz de Fora para o Triângulo Mineiro, do Triângulo para a base do Exército no Rio de Janeiro e depois para a Europa. Das pistas universitárias para as finais olímpicas. Cada metro conquistado é também a materialização de um sonho antigo e das referências que sempre o inspiraram.

“Sou muito fã de esporte, sempre acompanhei basquete, gostava da mentalidade de atletas como Cristiano Ronaldo e Kobe Bryant, que valorizam o processo. Tenho muita coisa pra melhorar ainda, mas meu treinador faz um bom trabalho. Desde novo eu anotava num caderno as metas que queria bater. Coisa de criança, mas eu levava a sério. Meu treinador falava: ‘Esse menino vai lançar 85 metros’. Hoje já fiz isso algumas vezes. Ver acontecer é gratificante”, celebra.

Próximo desafio

Wagner Carmo/CBAt

Agora, Luiz volta as atenções para o Campeonato Mundial de Atletismo, que será disputado entre 13 e 21 de setembro, no Estádio Nacional de Tóquio, reconstruído para os Jogos Olímpicos de 2020. Lá, o mineiro terá a chance de consolidar seu nome entre os melhores e buscar uma marca histórica para o Brasil numa das provas mais desafiadoras do atletismo.

“A pressão sempre vai existir. Quem lança 86,30 precisa buscar 86,32. Mas estamos fazendo tudo no tempo certo. O mais importante é manter a constância. A gente sabe que tem chance e que estamos no caminho. Agora é chegar bem preparado e acreditar”, finaliza.