Nas últimas duas semanas, torcedores estiveram nos centros de treinamentos de pelo menos quatro clubes da Série A do Campeonato Brasileiro para cobrar diretamente atletas e comissões técnicas, exigindo respostas por resultados ruins e desempenho abaixo do esperado. A reportagem do Lance! falou com representantes de jogadores que atuam no Brasil e no exterior para saber como os atletas reagem a esses episódios.
Do ponto de vista jurídico, há três esferas distintas em que as instituições podem ser responsabilizadas. Na esfera cível, o clube responde por danos morais e físicos eventualmente causados aos atletas, especialmente em caso de agressões ou ameaças. Caso haja agressão física, os procedimentos legais incluem boletim de ocorrência e exame de corpo de delito.
— Houve evidentemente uma violação grave de segurança no ambiente de trabalho do atleta. O clube tem o dever legal e constitucional de garantir a segurança dos atletas no seu ambiente de trabalho. Então, invasão, agressão, ofensas, ameaças, caracterizam uma falha gravíssima desse dever. O atleta agredido ou os atletas que se sentirem ameaçados, ofendidos, eles têm algumas medidas que podem ser adotadas com relação ao clube. A principal delas é a rescisão imediata do contrato, a chamada rescisão indireta do contrato de trabalho, previsto no artigo 483 da CLT. Ele pode entrar, acionar a Justiça do Trabalho e ser equiparado a uma demissão sem justa causa, alegando aí o grave risco à sua integridade física e moral, e acumular o pedido de indenização — afirmou Gustavo Nadalin, advogado especialista em direito esportivo.
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Essas ações, apesar de muitas vezes tratadas como encontros pacíficos ou como meros diálogos, geram um sentimento de indignação recorrente entre os jogadores.
Atletas relatam que esse tipo de episódio passou a ser visto como parte do ambiente de trabalho, mas isso não impede que a sensação seja de desgaste e cansaço. Em boa parte dos casos, os jogadores acreditam que os próprios clubes facilitam esse tipo de encontro.
A percepção dentro do elenco é de que há, muitas vezes, um aval velado da diretoria para que torcedores entrem nos centros de treinamento e cobrem diretamente os atletas, o que descaracteriza o ambiente como protegido e profissional. Não é incomum que os jogadores se sintam expostos ou até traídos pelas próprias diretorias, que permitem e às vezes encorajam esse tipo de situação como uma forma de transferir a pressão.
Diante dessas situações, os próprios grupos de jogadores desenvolveram uma espécie de protocolo informal de proteção. Normalmente, líderes mais experientes assumem a responsabilidade de representar os colegas nessas conversas com torcedores. Cabe a eles ouvir as críticas e dar respostas protocoladas, reforçando que o elenco trabalha, que reconhece as cobranças e que busca soluções para a sequência da temporada. Mesmo assim, o sentimento predominante é de que tais reuniões servem mais para preservar a imagem do clube do que para resolver qualquer problema interno.
Quando fica comprovado que houve facilitação ou omissão por parte do clube, o caso pode também avançar para a esfera criminal, envolvendo tanto torcedores quanto dirigentes, dependendo da gravidade da situação. Por fim, existe ainda a esfera desportiva, onde o clube pode ser punido por não garantir um ambiente seguro para seus funcionários.
— O atleta pode falar que o clube, sabedor do risco que os atletas estavam submetidos, não teve nenhuma atitude para garantir a segurança dos atletas. Mesmo no caso em que não há agressão, o jogador pode falar que o clube não está garantindo a segurança dele, que isso o impede de trabalhar, porque ninguém ali foi contratado para tomar esculacho de torcedor. O problema disso é que se você tiver um jogador com um contrato de dois, três anos, ele pode exigir os salários até o final do contrato, nessa rescisão antecipada por culpa do empregador que não garantiu a segurança. Então, um ato hostil da torcida, além de desestabilizar o elenco, pode causar prejuízos milionários para o clube — analisou Higor Maffei Bellini, advogado especialista em direito esportivo.
O ambiente dentro do vestiário, após esses episódios, é de frustração. Muitos jogadores relatam que, ao chegarem em casa, ouvem da família recomendações para deixarem o país. Aqueles que têm condições financeiras ou mercado fora do Brasil costumam repensar seus contratos e dificilmente cogitam retornar. O histórico recente aponta que jogadores com maior rodagem internacional rejeitam convites para voltar a atuar no futebol brasileiro justamente para evitar esse tipo de exposição e instabilidade. As conversas em bastidores deixam claro que esse fator pesa na hora de avaliar propostas vindas do Brasil.
Entre os atletas mais experientes, a leitura é unânime: dificilmente alguém que já tenha vivido uma situação assim aceita repeti-la. Muitos afirmam que não encerrariam suas carreiras no Brasil, preferindo atuar em mercados onde esse tipo de episódio seria inimaginável. Esse comportamento reflete o temor não apenas pelos próprios jogadores, mas também por suas famílias, que muitas vezes se tornam alvo de ameaças ou constrangimentos.
