Futebol

Grama natural x artificial: conheça tipos, opiniões e muito mais sobre o assunto

Gramados sintéticos revolucionaram, mas a maioria dos estádios, clubes e jogadores preferem o convencional

Por Gabriel Moraes
Publicado em 10 de fevereiro de 2023 | 05:00
 
 
 
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Semelhante a outros setores da sociedade, o futebol foi mudando com o decorrer do tempo, assim como as discussões que giram em torno dele. E, nos últimos anos, um assunto se tornou pauta nas conversas de boleiros e mesas de debate: os gramados dos estádios – algo que antigamente era comum falar apenas de seu aspecto, hoje em dia, se torna complexo devido ao seu tipo, tamanho, qualidade, função, entre outros.

Em 2016, dois anos após a Copa do Mundo, o Athletico Paranaense inovou entre os grandes clubes brasileiros e resolveu implantar grama sintética na Arena da Baixada. Na época, as razões eram financeiras e climáticas. “Desde que construímos a arena, em 1999, pelas condições climáticas, posicionamento do sol, umidade do solo, nunca conseguimos ter um gramado que proporcionasse a mesma qualidade que o estádio oferece como um todo", contou o vice-presidente do clube no período, Márcio Lara.

"Após a Copa do Mundo, definimos que era fundamental colocarmos um gramado que oferecesse uma boa condição técnica. Buscamos todas as tecnologias, aquela que oferecesse o melhor serviço, e em 2016 fizemos a implantação, que proporcionou uma economia mensal na ordem de R$ 200 a 250 mil mensais”, completou o antigo mandatário.

Coincidência ou não, o time de Curitiba passou a ser mais temido jogando em seus territórios. Com uma melhor estrutura fora de campo e um "caldeirão" no estádio, o Furacão passou a ser mais respeitado e conquistou títulos de expressão, como a Copa Sul-Americana em 2018 e 2021 e a Copa do Brasil de 2019, além de ser vice do mata-mata brasileiro no ano passado (perante o Atlético), da Recopa Sul-Americana em 2019 e 2022 e da Supercopa do Brasil em 2020.

Para os críticos, o tapete artificial da Arena da Baixada era um fator determinante, principalmente porque os jogadores rubro-negros estavam acostumados a atuarem ali, enquanto os adversários, não. "A bola corre mais"; "a bola quica muito"; "escorrega mais que o normal"; eram algumas das justificativas dos atletas profissionais.

Inaugurado em 2014, o Allianz Parque, estádio do Palmeiras, implantou a grama sintética no início de 2020, também com a justificativa de economia e pelo objetivo da arena, que se tornou um importante espaço para shows e outros eventos em São Paulo – o gramado inovador é melhor para a montagem de estruturas atípicas, já que sua capacidade de recuperação é maior com relação à planta natural.

Diferenças entre Athletico e Palmeiras

A grama sintética é basicamente feita de monofilamentos de polietileno. Desenvolvido pela empresa Italgreen, a Arena da Baixada tem o gramado do tipo Lesmo HD (mais escificamente 62 Lesmo HD Geofill N) e é ligeiramente mais alto que o do Allianz Parque, feito pela Soccer Grass, cujo piso chama-se Stadium System: eles têm 60 milímetros e 50 milímetros, respectivamente.

Em Curitiba, abaixo do gramado, há um composto orgânico feito de casca de coco e areia, com o objetivo de gerar amortecimento semelhantes ao que a grama natural tem com a terra. Já em São Paulo, o preenchimento e a base são de um emborrachado chamado TPE, além de uma manta de amortecimento.

No estádio paranaense, os rolos de grama são colados no chão, dispostos de uma lateral a outra, enquanto no paulista, eles são costurados e colocados de uma linha de fundo a outra.

Certificação

Ambos os campos são certificados pela Fifa, o que garante um determinado padrão (FIFA Quality Pro) de jogo, indepentemente se o gramado é natural ou artificial. "Como a FIFA desenvolveu isso? Ela pegou os melhores campos de grama natural que têm nos estádios europeus e gerou os parâmetros de quique de bola, rolagem, tração e rotação da chuteira, planicidade do campo, uma série de itens. Então, tudo que acontece em um gramado natural de boa qualidade, precisa acontecer no gramado sintético", explica Alessandro Oliveira, CEO da Soccer Grass.

Os testes são divididos em duas fases: os de laboratório, para onde são enviadas as amostras do campo de grama sintética, e a avaliação no próprio estádio. "Hoje, a FIFA tem mais de dez laboratórios credenciados no mundo para seguir o programa de testes dela. Você tem o manual, que vai atender essa qualidade de jogo do primeiro ao último minuto de partida", completou Oliveira, que acompanhou de perto os testes na casa do Porco.

Maracanã e o híbrido

Em março de 2022, o Maracanã foi pioneiro entre os grandes estádios do país com relação ao gramado: inaugurou o chão híbrido, que mistura grama natural (90%) e artificial (10%). Escolha se deu após as críticas com relação ao estado do gramado, castigado pela sequência de jogos de Flamengo e Fluminense, administradores do estabelecimento.

Gramados híbridos são superfícies de gramado natural cultivadas dentro de uma base de fibras sintéticas. Essa tecnologia se apresenta com a capacidade de dobrar a capacidade de jogos quando comparado com um gramado natural convencional – no caso do Jornalista Mário Filho, após o replantio da grama, uma máquina importada costurou as fibras sintéticas nas naturais, aumentando, assim, a resistência.

Atualmente, há duas tecnologias sendo utilizadas mundialmente, e o mais tradicional é esse sistema costurado (a segunda opção é obtida por meio da produção de grama sobre uma manta). As fibras são injetadas a 18 centímentros de profundidade, em um grade de aproximadamente 2 cm x 2 cm (6 quilômetros de fibras por metro quadrado). Elas ficam até 2,5 cm acima do nível do solo harmonizando com o gramado natural.

Com a palavra, quem joga

Um dos destaques do Cruzeiro em 2022, quando o clube conquistou a Série B do Campeonato Brasileiro, o meia Filipe Machado foi incisivo sobre o que prefere: jogar em grama natural. "Eu prefiro jogar no gramado normal. Agora, nós vemos lá na Arena da Baixada, na Arena do Palmeiras também, o gramado sintético. Na grama natural, ficamos mais confiantes para jogar", contou à reportagem.

Segundo ele, o tipo de chuteira a se usar não depende apenas do estilo do piso, mas de outros fatores, como altura da grama, humidade e o próprio jeito do atleta. "Eu já joguei no do Athletico, mas no Allianz Parque ainda não. Eu ouvi falar que em São Paulo ele é mais liso e a bola corre mais, enquanto em Curitiba a bola corre menos, pois tem bastante borracha", explicou o cruzeirense.

Matheus Cavichioli, experiente goleiro do América, corrobora a opinião do companheiro de profissão. Para ele, times como Palmeiras e Athletico levam vantagem sobre os demais clubes. "Eu prefiro o natural, porque nós não treinamos em um lugar assim (artificial), não temos um lugar assim, como outros clubes também não. Será que isso não acaba dando uma determinada vantagem para quem tem a possibilidade de trabalhar e treinar nesses lugares?", questionou.

Para ele, essas diferenças tornam o jogo desigual. "Vemos os donos desses estádios levando uma determinada vantagem frente os adversários. Eles sabem, porque às vezes a bola quica e corre, sobe... Por ser um piso onde todos têm acesso, é melhor o natural. Isso padroniza o torna o jogo mais equilibrado. Quem sabe um dia todos também tenham acesso a um gramado sintético", explanou.

Entretanto, o alviverde de 36 anos afirmou que essa não pode ser uma desculpa. "Mas a gente está aí para jogar no artificial, no natural e até no que não tem grama. Tem uma diferença sim. Na grama natural molhada, ela quica e corre. Isso é fato. No artificial ou híbrido, isso é incerto. Mas não é aquele absurdo de diferente, a vantagem não é tanta assim. Por mais que você jogue uma ou duas vezes no ano, já sabemos como funciona. Além, claro, de assistir as partidas", explicou Cavichioli.

Tipos de gramas naturais

Esmeralda

Originária do Japão, é a grama mais comercializada no Brasil. Possui folhas em forma de lança, médias e estreitas de cor esmeralda. Suas principais vantagens são a baixa manutenção, facilidade de plantio (já que normalmente é colocada em rolos ou placas e tem boa tolerância com altas temperaturas.

Bermuda

Também conhecida no exterior como grama celebration, tem origem nas Ilhas Bermudas, próximo ao Caribe. Com aspecto semelhante à esmeralda, tem como principais características folhas estreitas com coloração verde intenso, raízes profundas, melhor resistência a pisoteio, alta capacidade de regeneração e rapidez ao desgaste excessivo, ou seja, ideal para esportes.

Grama coreana/japonesa

Não é tão utilizada em campos de futebol, já que não é resistente a intenso pisoteio e atrito. Tem altura média de 10 a 15 centímetros, porém, seus caules se multiplicam horizontalmente. Campos de golfe normalmente possuem ela, já que é ideal para pouco peso sobre ela.

Grama Santo Agostinho

Também conhecida como grama inglesa, antigamente (antes dos anos 1990) era mais comum nos estádios, tanto das capitais quanto do interior. Possui raízes e folhas grossas e é considerado um gramado "pesado" e "duro", deixando de ser ideal para a práticas do desporto.

Arena MRV

Diferentemente do esperado, o Atlético anunciou em junho de 2022 que a sua futura casa, a Arena MRV, terá gramado natural, mais especificamente a espécie Bermuda Celebration, a mais indicada para atividades esportivas em locais de clima quente. Quando a ideia do estádio foi consolidada,o clube estava mais propenso pela escolha da artifical, seguindo uma tendência dos clubes anteriormente citados e pelo próprio uso do estádio, que, apesar de priorizar o futebol, abrigará eventos em seu interior, como acontece no Mineirão.

Ao O Tempo Sports, a arquiteta da Arena MRV, Patrícia Maia, explicou a opção. Segundo ela, foram diversos fatores, inclusive, a opinião de profissionais do próprio Galo. "A escolha do gramado natural passou por diversas discussões. Foram feitos vários estudos de viabilidades técnicas e econômicas. Sim, profissionais do departamento de futebol do Atlético participaram da discussão para definição do gramado", disse.

Recentemente, o Maracanã, no Rio de Janeiro, passou a ter o gramado híbrido, uma espécie de "mistura" entre o natural e o artificial. Conforme Maia, o novo estádio pode mudar futuramente, mas isso é algo que precisa ser massivamente avaliado. "A Arena MRV sempre estará aberta a todas as possibilidades, avaliando os pontos negativos e positivos de cada uma das opções", contou.

"Todos os tipos de gramado possuem suas vantagens e desvantagens. O gramado híbrido tem como características positivas menos danos após jogos e eventos, melhora na drenagem, pois as fibras sintéticas auxiliam o escoamento da água, mas há também desvantagens consideráveis, como maior custo de implantação, se comparado com o natural. Além disso, atualmente existem poucos equipamentos de costura disponíveis no mercado e, por isso, geralmente precisam ser importados, as fibras também são importadas. Esse tipo de gramado também não permite troca em determinados pontos do campo de jogo", explicou a arquiteta.

A respeito de uma possível danificação da grama com a montagem de palcos dentro das quatro linhas, por exemplo, a especialista afirmou que, realmente, os pisos artificiais são melhores, porém, não têm muita aceitação por parte das pessoas ligadas diretamente ao futebol. "O sintético, realmente, tem uma flexibilidade maior para jogos e eventos, mas é um tipo de campo, atualmente, com menor aceitação pelos atletas. O sintético também pode possibilitar um desconforto térmico em dias quentes, além da vida útil ser menor que de um gramado natural ser de aproximadamente 8 anos, exigindo uma troca completa futura", falou.

Ela frisou que o futebol será sempre a prioridade da Arena MRV. "O carro-chefe da Arena MRV será sempre o futebol, a agenda de partidas do Atlético é a prioridade. Como optamos por um gramado natural, teremos sempre o desafio de entregar um gramado perfeito para a jogabilidade mesmo após eventos. Para isso, estamos sempre atentos ao que de mais moderno e eficaz existe no mercado para que os impactos sejam os menores possíveis", concluiu.

No caso do novo estádio mineiro, a grama foi semeada no próprio terreno, ou seja, não foi trazida de outros lugares e colocada no local. O gramado da Arena MRV terá 105m x 68m, tamanho padrão exigido nas principais competições oficiais de futebol profissional. O plantio é por meio de mudas, e 8.945 metros quadrados do vegetal formarão o campo de jogo. Cerca de 2 metros após as quatro linhas, foram instalados 2 mil metros de grama sintética decorativa, semelhante ao Gigante da Pampulha e outras arenas

Depois de tudo pronto, os cuidados serão permanentes. “A manutenção de um gramado esportivo é tão ou mais importante que o plantio, pois é ela que vai dar continuidade e qualidade ao campo de jogo”, afirma André Amaral, diretor de Operações da World Sports, empresa responsável pela construção do gramado da Arena MRV.

Estádios pelo mundo com grama sintética

Rússia

O Luzhniki, em Moscou, foi o primeiro estádio com autorização para grama sintética. Ele foi palco da Copa do Mundo de 2018, sendo o Mundial masculino pioneiro no quesito.

México

O Estádio Caliente fica localizado em Tijuanam, na fronteira com os Estados Unidos. Segundo a imprensa local, o motivo da casa dos Xolós ter instalado grama artificial foi técnico, devido às características ambientais do estádio, onde seria difícil crescer grama natural.

Estados Unidos

O CenturyLink Field, casa do Seattle Seahawks, foi o primeiro campo sintético da liga esportiva profissional de futebol americano (NFL) e tabém é casa do Seattle Sounders (time de futebol).

Suíça

O Stade de Suisse, em Berna, abriga o Yong Boys e é o segundo maior estádio do país. A troca para a grama sintética aconteceu em 2007, já pensando na durabilidade e resistência, pois partidas de hóquei também acontecem no local com frequência, o que danifica o piso.

Cazaquistão

Astana Arena, além de ser casa do time da cidade de Astana, é um local visado para shows, e o peso dos palcos e demais estruturas exigiam resistência demasiada ao campo, por isso, o gramado artificial foi colocado.

Canadá

Por fim, há o BC Place, em Vancouver, que recebeu partidas dos jogos da Copa do Mundo de Futebol feminino em 2015 e é um estádio poliesportivo que comporta diversos jogos durante a semana.

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