O triatleta mineiro Thiago Vinhal saiu da estaca zero rumo ao mais alto rendimento dentro da sua modalidade. A caminhada árdua e construída aos poucos fez o belo-horizontino valorizar as pequenas coisas e fazer questão de ajudar quem precisa de acordo com suas condições e possibilidades.
Primeiro negro a participar do maior evento de triatlo do mundo, o Iron Man de Kona, ele segue com o sonho de voltar a disputar a competição, sem deixar de lado o gesto de estender a mão a quem precisa, certo de que sua contribuição faz grande diferença na vida de algumas pessoas.
Desde o dia 12, Vinhal lançou o leilão ‘Colors in Kona’. Por meio do capacete personalizado que utilizará no Ironman Lake Placid, no próximo dia 25, em Nova York (USA), o atleta doará todo o valor arrecadado visando projeto social que dá nome à ação beneficente e que transforma a vida de crianças, jovens e famílias de São Paulo, Minas Gerais e Bahia por meio da educação e do esporte.
Para ajudar, basta acessar a plataforma Semexe no link com data-limite no próximo dia 27, às 14h.
Esta foi apenas uma das ações solidárias de Vinhal, que faz história nadando, correndo e pedalando mas também transformando a vida de quem precisa com pequenas ajudas cheias de significados.
Outras iniciativas foram a ajuda de 70 cestas básicas mensais ao projeto Ação Tri, de Salvador, além de contribuição ao nadador paralimpico da seleção Vitor Santos.
Confira entrevista exclusiva com Thiago Vinhal:
Como era a sua primeira bicicleta de competição? Você não tinha uma condizente e, por isso, pegou uma emprestada?
Minha primeira bicicleta foi comprada por R$254 na rua Araguari, na bicicletaria do seu Mauro. Na primeira competição que eu fui com ela, não me deixaram competir, pois, não era nos moldes que precisava. E eu não sabia. O pessoal da Confederação, na época, também não me avisou.
Desde então, comecei a ir com bikes emprestadas da galera de BH. Tive muita bikes e capacetes emprestados. Até que, bem para frente, quando eu resolvi fazer Ironman, a primeira bike de competição, de nível e performance, eu ganhei de um cara da Bahia, o Roberto Bibiu.
Quem o apresentou para mim foi o Betão, que sempre nos recebia em Salvador e ajudava em tudo o que precisava, até ficando na casa dele. Na Bahia, o triatlo recebia muito investimento. Tinham vários empresários que curtiam.
E esse Roberto me ajudou. Era uma máquina essa bicicleta, com roda de carbono. Ele até brincava falando “me paga aí em 1 mil parcelas de R$1, alguns centavos. Mais para frente, quando você puder, você retribui ao triatlo”. E foi assim que eu consegui. Competi com ela até 2012. Foi o auge da minha ligação com Salvador, com o pessoal de lá.
De lá para cá, quantas bikes você teve? Quais aspectos fundamentais a ti em uma bike para triatlo?
Não faço nem ideia de quantas bikes eu já tive. Para mim, o principal aspecto é ter uma bike que caiba no seu bolso, caiba no seu orçamento. Tem de ser uma modalidade que vai contribuir com a sua qualidade de vida, não para um estresse mental. Não tem uma configuração ideal. Bike é bike. Quem quer fazer triatlo, precisa de uma bike.
Eu comecei pedalando em uma de R$254 e foi a mais importante da minha vida. Foi a que provou que era possível eu praticar a modalidade que havia escolhido. Muita gente quer começar olhando a bike mais top, coloca muita condição para poder praticar, sendo que o mais importante é você ter disciplina.
Acha que ainda falta muito atleta ter a consciência de tentar ajudar as pessoas com doações, leilão beneficente?
O nosso povo é um que faz milagre para fazer almoço, vende uma parte para pagar a janta. Primeiro, queremos sobreviver para, depois, ter a lei da benevolência. Isso está mudando cada vez mais. O Brasil precisa de pessoas que tragam boas ferramentas, boas oportunidades, que vão ajudar muitas pessoas e conectar histórias.
Trazer investidores faz parte do nosso papel como atleta, como referências na performance, como embaixadores da transformação por meio do esporte. Ela é de verdade e podemos levar para mais gente que não tem condição.
Acha que isso parte mais do atleta e da sua história ou de pessoas ao seu redor para criar nele esta consciência?
Você precisa desenvolver rede de relacionamentos. Depois, tem de desenvolver marca pessoal, nome, responsabilidade social, autoridade na mídia social, de opinião no mercado... É uma construção até o momento de a pessoa poder oferecer um leilão. É a cereja do bolo de uma transformação do esporte até chegar na performance.
A sensação de ver alguém mudando de vida por conta da sua própria vida é a melhor possível. É indescritível. Só quem sente isso na pele, algo que nenhum dinheiro paga, consegue viciar nessa sensação. Ter essa sensação como uma motivação. Gera um entusiasmo. E essa conexão de fazer diferença na vida das pessoas, trazer possibilidades, trazer fé e, realmente, mostrar que pessoas precisam de pessoas.
Quando a gente recebe o retorno de pessoas que foram transformadas pela sua doação, nem que seja de dinheiro ou tempo, você passa a se preencher de coisas que não são materiais. E isso te dá forças para te levar à frente, mais longe, no momento de dor.
Como você escolhe as instituições e pessoas que ajuda?
As instituições eu escolho de acordo com a minha conexão, intuição e sentimentos. Principalmente, se tem pessoas que necessitam, que consigamos entregar. Cuidamos de asilo, crianças de comunidade carente, de jovens com necessidade especial. Então, histórias que tocam a nossa história, a gente acredita e vai junto com o Colors in Kona.
Como está a corrida para a próxima edição de Kona? Quais resultados precisa ter?
A corrida para Kona ainda está muita aberta. Temos ainda algumas provas até lá. Até o final de agosto, tem algumas vagas pra edição de 2021.
Vai participar de quais provas até o momento? Tem quantas participações em Kona até aqui? Depois de ser o primeiro negro em Kona, quais as novas barreiras a serem quebradas?
Eu vou participar do Lake Placid, no domingo, e também estou inscrito no Ironman da Dinamarca, no meio de agosto. Tenho duas participações em Kona.
Em 2017, fiquei na 13ª colocação. Em 2018, em 41º. Depois de ser o primeiro negro em Kona, as barreiras continuaram crescendo. Quando você é o pioneiro, isso não facilita. Aumenta a sua responsabilidade. Não adianta ser o primeiro e não levar essa questão adiante. Essa responsabilidade tem de ser trazida ao dia a dia e aumenta a sua capacidade de ação com resultados, título, com histórico que podem inspirar pessoas, empresas, jovens a fazerem o mesmo. E até mais.