Aos 36 anos, o ala/armador Leandrinho, do Life Fitness-Minas, chegou mais longe na carreira do que imaginava. Para conseguir o status atual de referência nacional e ter somado conquistas como o título da NBA, ele precisou se virar, por conta própria, para sair de uma situação de pobreza, em que a fome fazia parte da rotina. Foi o basquete que lhe deu tudo que tem na vida, contando com sua espontaneidade e dedicação, além de presenças que fizeram toda a diferença para ele se adaptar ao novo mundo do basquete norte-americano.
Quem era seu ídolo no meio do basquete na sua infância?
Quando era menor, minha prioridade era o futebol. Eu vivia muito com meu irmão mais velho, ele, sim, jogava basquete. Como eu era um “pestinha”, minha mãe pedia pra ele me levar junto, e foi assim que o basquete apareceu na minha vida. Comecei a gostar, fui pegando amor à bola de basquete. Eu não tinha um espelho, alguém que queria ser. Naquela época, a gente não tinha condição financeira boa, não tínhamos TV. Quando eu dormia na casa de algum amigo, era quando via partidas do Chicago Bulls. O (Michael) Jordan deixou um legado maravilhoso no basquete.
Quais as maiores dificuldades que você se lembra que precisou superar?
Não ter o que comer. Eu era o filho caçula, não sofri tanto como meus quatro irmãos, que deixavam de comer pra me dar um prato de comida. Nunca vou me esquecer daqueles momentos. Meus irmãos com fome me dando comida pra sobreviver. Eles deixavam de ter a parte deles pra me dar. Eu era menor, tive “moleza”. Acabei fazendo uma promessa pra minha mãe que toda aquela realidade ia mudar.
Em que momento aconteceu essa promessa?
Era momento de querer sair daquela vida, a gente não podia fazer nada, trabalhava muito para ter o pão de cada dia. Eu não tive infância. A minha infância eu tenho hoje com minhas filhas, de levar ao fliperama, por exemplo. Minha mãe não me deixava sair na rua, eu queria melhorar nossa situação de vida, nossa realidade era bem difícil.
Quais trabalhos você teve pra ajudar na renda dentro de casa?
Eu trabalhava na feira com 3 anos, ajudava minha mãe a vender banana. Eu tentava ajudar os idosos a levar as compras para o carro e ganhava moedas. A gorjeta que ganhava, dava pra minha mãe, era difícil ela me dar algum trocado. Quando isso acontecia, eu ia à loja de balas e era o melhor dia da semana para mim. Eu entendia que isso nem sempre era possível, porque a prioridade era ajudar a família.
Imagino o tamanho da sua satisfação quando conseguiu ajudar sua família e cumprir a promessa feita...
Quando eu tinha 6 ou 7 anos, eu tinha uma ajuda de custo por causa do basquete, ganhava uma bolsa escolar, cesta básica e dinheiro para o transporte, que a gente sempre usava pra comprar comida. Tudo que eu ganhava, dava pra minha mãe. Quando a situação melhorou, principalmente quando entrei na NBA, a primeira coisa que fiz foi tirar minha mãe de onde morávamos. Era o sonho que eu tinha de dar uma casa legal pra ela.
Você chegou à NBA com 18 anos. Teve receio de ter chegado ali cedo demais?
Receio nenhum. Eu sabia que estava realizando meu sonho e que poderia dar uma condição boa para minha família. Era como se estivesse renascendo, precisei trabalhar duro.
Teve um caso em que você chegou de bicicleta ao primeiro treino. Alguma outra situação inusitada que passou nos primeiros meses?
Teve uma que acho que agreguei no grupo. Eu não falava nada de inglês, mas meu jeito brasileiro me ajudou. Eu queria aprender o inglês e gostava do rap, um gênero musical forte lá. Eu fingia que sabia, chegava ao vestiário cantando tudo errado, mas fazendo um som e tentando interagir com os caras. A cultura dos EUA é diferente, as pessoas são mais frias. Quando chegava lá cantando, a turma caía na risada. O ego lá é algo muito forte, essa questão de “eu sou melhor que o outro”. Esse meu jeito ajudou a unir o grupo. O Shawn Marion começou a dar “bom dia” para o Stephon Marbury, eles eram os melhores do time, ao lado do Amar’e Stoudemire. Isso foi juntando o time, dando uma liga no elenco. Os caras me abraçaram, foram me ensinando o inglês e sempre rindo das brincadeiras. Isso serviu pra quebrar o gelo, e aí fomos longe pra caramba. Depois deste ano, veio o Nash, que era casado com uma paraguaia e gosta do jeito latino. Nos demos bem, e aí a coisa se formou de um jeito que, quando um ia ao supermercado comprar uma cueca, todos iam juntos. Saíamos juntos pra balada. Teve uma hora que começamos a perder, e o técnico falou para a gente voltar a sair pra balada para ver se aquela química voltava. E ela voltou! Virou uma família.
Alguém que te abraçou e fez questão de te ajudar nos primeiros meses?
O Stephon Marbury, com certeza. Logo que cheguei, ele percebeu essa minha dificuldade de não conhecer a cultura e como as coisas acontecem. Ele me abraçou, me deu um carro, comprou 15 ternos maravilhosos que tenho até hoje. Ele me levava pra casa dele, ficávamos na piscina conversando e passando o tempo. Aonde ele ia, me levava. Ele foi mais que um pai e uma mãe pra mim. Ele foi minha família, me deu o apoio que eu não tinha, me ajudou com a língua. Por causa dele, eu fui convencido a ficar quando quis embora, trabalhou com a minha parte mental.
O que você precisou perceber a curto prazo na NBA para se dar bem?
Demorou três anos para eu entender onde estava. Foram dois anos vendo aquilo tudo de perto, aquela ilusão. Precisei colocar na cabeça que precisaria ir bem, senão estaria fora na temporada seguinte. Foi quando comecei a treinar mais forte, muitas vezes sozinho. Neste período, o Nash chegou ao time. Meu jogo encaixou com o dele, passei a trabalhar mais e entender que não havia sido escolhido por acaso.