Depois de os jornais “O Tempo” e “Super Notícia” publicarem, nesta segunda-feira (17), a reportagem “Ônibus de BH burlam legislação e circulam sem os trocadores”, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, mandou um recado para as empresas de transporte coletivo irregulares em seu perfil pessoal no Twitter.
“Se as empresas de ônibus fazem o que querem, vão receber o troco. Belo Horizonte tem governo”, escreveu o prefeito.
A prefeitura enviou uma nota sobre as multas:
A Prefeitura de Belo Horizonte informa que foram aplicadas, de janeiro a novembro de 2018, 8.126 multas às empresas de ônibus, totalizando R$ 5.808.723,68 (cinco milhões, oitocentos e oito mil e setecentos e vinte e três reais), referentes à falta de cobrador em linhas e horários não autorizados.
As multas estão sendo enviadas à Secretaria Municipal de Fazenda para as devidas providências.
Veja:
Se as empresas de ônibus fazem o que querem, vão receber o troco. Belo Horizonte tem governo.
— Alexandre Kalil (@alexandrekalil) 17 de dezembro de 2018
Leia a matéria na íntegra da repórter Michelyne Kubitschek
Ainda era início de tarde quando o ônibus da linha 9410 (Coração Eucarístico/Sagrada Família) parou para o embarque de passageiros no ponto da rua dos Tamoios, no centro de Belo Horizonte. Quando as portas se abriram, iniciou-se uma novela que os usuários de ônibus já estão se acostumando a ver na capital, à revelia da lei: o motorista, sozinho, teve que correr para receber os pagamentos das 13 pessoas que estavam na fila para entrar; enquanto isso, uma senhora reclamava sobre a demora para o início da viagem; e, ainda na calçada, a cadeirante Queila Araújo, 35, aguardava o ingresso de todos para que ela pudesse também seguir viagem: “Sem cobrador, demora muito. Tenho que esperar todo mundo, até o motorista descer para acionar o elevador. Difícil”, reclamou.
Essa mesma situação foi flagrada pela reportagem de O TEMPO em 41 das 294 linhas de ônibus da capital, ao longo de apenas quatro horas de viagens, entre 12h30 e 17h, nos dias 4 e 5 de dezembro. Em nenhuma delas havia agente de bordo trabalhando com o motorista em funções como o recebimento das tarifas e o auxílio a passageiros cadeirantes – em desacordo com o que determina a Lei 10.526, de 2012. A regra permite que esses profissionais estejam ausentes somente em viagens noturnas, em domingos e feriados ou em linhas do Move e dos veículos dos serviços especiais caracterizados como executivos, turísticos ou miniônibus.
Estressante e perigoso
Na região do Barreiro, um motorista da linha 301 (Novo Santa Cecília/Barreiro), há 33 anos na profissão, disse agora sentir o peso da função no dia a dia. “É estressante e perigoso. Tem que redobrar a atenção para tudo. Tenho colegas que já pegaram a bolsa e foram embora, largaram o ônibus cheio de passageiros”, desabafou.
Em outro ponto da capital, na rua do Caetés, no centro, um motorista da linha 3503A (Santa Terezinha/São Gabriel) criticou a administração municipal: “Se o Kalil quisesse, era só meter a caneta e isso mudava. Ele não falou que iria melhorar o sistema de transporte? Entrevista eu não dou porque preciso manter meu emprego”, disse.
A poucos metros dali, na rua dos Tupinambás, seis das oito linhas de ônibus que contam com ponto no local estavam sem o agente de bordo bem no meio da tarde. A vendedora de doces Edwiges da Silva, 44, que tem deficiência visual, revelou que colegas cegos ficaram sem auxílio no desembarque: “Nem sempre o motorista pode nos ajudar. Antes, o cobrador fazia isso pra gente. Alguns colegas já passaram do local de descer porque o motorista se distraiu”, contou.
Outros passageiros falaram de aumento na insegurança e de passageiros que entram sem pagar, aproveitando-se da multidão. O representante de vendas Guilherme dos Santos, 21, acredita que o maior impacto seja o aumento do tempo de viagem: “Muita gente paga em dinheiro ainda”, lembrou. A Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) afirmou que 75% dos usuários utilizam o cartão BHBUS, outros 17% são idosos que têm gratuidade, e apenas 8% usam dinheiro.
Motoristas têm medo de serem demitidos
No ponto final da linha 9104 (Luxemburgo/Sagrada Família), o clima de medo e o silêncio imperam. “A gente não fala, porque a Saritur (empresa responsável pela linha) disse que vai mandar embora todo mundo que der entrevista. Desculpa”, esquivou-se um motorista enquanto marcava o fim do trajeto. Outro profissional chegou a pedir à reportagem para não subir no ônibus, temendo que as câmeras do veículo registrassem a situação. “Tenho contas para pagar”, lembrou.
Procurada, a Saritur informou, por meio do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de BH, que, atualmente, existem nas empresas do transporte coletivo de BH filas de espera de interessados em atuar sem o trocador. “O profissional que trabalha sem o agente recebe acréscimo de 20% em sua remuneração”, informou. O órgão não comentou as denúncias de coação.