A realidade da ginasta de trampolim do Minas, Alice Hellen, de 20 anos, faz o ditado que diz que “neta criada com vó tem vida fácil” cair por terra. Foi em Ouro Preto, sua cidade natal, com a ajuda de dona Maria de Fátima, que ela criou forças para não desistir. O fato de ter um irmão com deficiência fez a mãe não estar presente como ela gostaria. Todas as dificuldades parecem ter criado em Alice uma força para ir atrás dos sonhos.
Como a ginástica de trampolim apareceu na sua vida?
Eu sou de Ouro Preto e no bairro onde minha avó mora surgiu um projeto da modalidade. Conheci aos 7 anos por meio de um amigo, ali o interesse começou. Fui fazer um teste, deu certo e criei amor. Sempre tive apoio da minha família.
E quando você percebeu que dava para levar a sério?
Nos primeiros anos era mais uma brincadeira. Mas a parte de levar a sério não demorou a chegar quando comecei a treinar todos os dias e mostrar comprometimento. Quando tinha 10 anos, participei de um competição pan-americana nos Estados Unidos. Ali eu vi que a ginástica de trampolim poderia ser interessante para o meu futuro.
E como apareceu o convite do Minas?
O meu técnico em Ouro Preto, Estácio Fonseca, foi um cara que sempre correu muito atrás, ele fazia com que a gente viesse até Belo Horizonte para treinar no Minas, um lugar com uma melhor estrutura. Ele sempre buscava por melhores equipamentos para gente treinar, tentava fazer investimento na parte psicológica e de fisioterapia. Em 2013, eu estava com problemas familiares, e meus treinos não iam tão bem. Em um camp nesse período, tive a chance de conhecer alguns profissionais do Minas. Eles me deram a chance de fazer um teste por dois meses, e fui aprovada.
Você tem uma relação muito forte com sua avó não é mesmo?
É verdade. Minha mãe teve quatro filhos, o primeiro aos 16 anos. Minha avó sempre foi muito batalhadora, e eu acabei sendo sua neta favorita. Minha relação com ela era melhor do que com minha mãe. Não por falta de afeto, mas por proximidade. Minha mãe precisava dedicar atenção integral a um dos meus irmãos, que tem necessidades específicas.
O que é determinante para ser um bom ginasta?
O psicológico conta muito, é preciso se desafiar a cada momento, vencer o medo, se superar. Lembro da dificuldade que eu tinha, quando era mais nova, quando chegava a hora de um movimento novo e de dificultar a série. Com o passar dos anos, isso foi ficando mais tranquilo. A estrutura do Minas, com a presença de um fosso, ajuda muito. Aos poucos, vamos desenvolvendo a coragem para se superar a cada treino, vamos colocando novos elementos na série.
Quem mais, além da sua avó, foi primordial na sua caminhada?
O Estácio Fonseca, técnico do projeto de Ouro Preto, teve influência total. Ele tem o projeto até hoje, que se chama Instituto Trampolim. Ele sempre foi um pai para mim, me buscava e levava nos treinos. Tem uma filha da minha idade, nos tornamos amigas. Durante um tempo, ele me adotou, me levou pra dentro da casa dele pra eu ter uma alimentação melhor, coisa que minha família nem sempre poderia oferecer. O meu atual técnico aqui, no Minas, o Alexandre Runge, é outro que está sempre comigo. Se alguém duvida de mim, ele coloca o dedo na frente para dizer que acredita no meu potencial.
O Brasil está muito longe das principais potências?
A diferença diminuiu muito nos últimos anos. Até poucas temporadas, várias nações que estavam na parte de cima, e o Brasil lá embaixo. Já conseguimos elevar o nome do Brasil internacionalmente. Os resultados que tivemos, recentemente, mostram isso, foi um salto grande o que conseguimos fazer.
O que dizer do Rayan Victor, que vai representar o Brasil, ao seu lado, nos Jogos Pan-Americanos?
Ele é um fenômeno como atleta e pessoa. Eu não treino diariamente com ele, mas sempre tive a oportunidade de conviver desde que cheguei ao Minas em 2014. Ele é cria do clube, de perto vi como ele cresceu como pessoa e atleta, merece muito ir para o Pan. Com 17 anos, é o melhor do Brasil, pôde provar isso nas competições, na seletiva seu desempenho foi inquestionável. A gente brinca e fala que ele nem parece brasileiro porque tem uma postura diferente, uma linha de corpo muito boa e certamente vai buscar medalhas e representar bem o Brasil.
Você consegue se visualizar em Tóquio, no ano que vem?
Com certeza! É meu objetivo pontual. Não final, mas onde eu quero estar em 2020.
O que pôde perceber nessas competições internacionais ao enfrentar algumas das melhores atletas do mundo?
Pra mim, foi especial estar ao lado de ginastas que eu acompanhava. Eram ídolos para mim. Foi muito legal competir com atletas nos quais eu me inspiro e que tenho como referência. Isso me deu experiência e ainda mais vontade, deu pra perceber que não estamos longe delas e do que fazem. As Olimpíadas, tendo essas atletas como concorrentes, não é algo distante.
Quais as principais forças que estarão no Pan?
O Canadá é o grande favorito por ter o atual bicampeã olímpica. Colômbia também pode incomodar, o México tem uma atleta no top 10. Temos condições de final e medalha.
Já vi você sofrendo em jogos de vôlei do Minas. É um esporte que você gosta bastante?
Muito! O vôlei é uma paixão. Tentei jogar e ainda brinco quando vou com alguns atletas ao Minas Country. Fiz vários amigos no time masculino e feminino, sempre tento ir para torcer. Aos poucos, fui entendendo melhor. Gosto também da natação. Achava que era somente chegar na frente, mas existem outras coisas envolvidas, como a saída. Meu namorado (Nathan Bighetti) me fez ver o esporte de um novo jeito. Ele é atleta do Minas, mas mora nos EUA.