E esse calorão? Como você, leitor, está se virando? No dia 25/9, os termômetros registraram o dia mais quente de história da capital mineira: 38,6°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmetro). Mas não é só BH que sofre com as mudanças climáticas: há enchentes e ciclones no Sul do país, seca extrema na Amazônia. Há quase 20 anos, o professor de pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), nas disciplinas mudanças climáticas e gestão ambiental, Saulo Rodrigues Pereira Filho, alerta para a "tendência da onda de calor é piorar nos próximos anos".


Saulo Filho é um dos palestrantes convidados da Abeta Summit 2023: 20º Congresso Brasileiro de Ecoturismo e Turismo de Aventura, que acontece de 25 a 28 deste mês, em Grão Mogol, no norte de Minas. Organizado pela Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), o professor vai debater, no dia 26, das 16h às 17h, na palestra "Sustentabilidade e crise climática: cenários, ameaças e oportunidades", o futuro da natureza com viajantes, empresários, acadêmicos, consultores e gestores públicos.


Desde março deste ano, o professor da UnB assumiu a coordenação da recém-criada Gerência de Sustentabilidade e Ações Climáticas da Embratur, agência de promoção do Brasil no exterior, com o desafio de fortalecer o turismo brasileiro por meio de uma agenda de sustentabilidade e de enfrentamento à crise climática. "A crise climática é causada pela emissão de gases do efeito estufa. É importante que todos os setores, inclusive o turismo, estejam engajados nesse enfrentamento, no desafio de reduzir drasticamente seus efeitos".


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Quatro eixos


Para isso, foi elaborado um plano de ação em quatro eixos — descarbonização, sociobioeconomia, resiliência climática e economia circular. Desde 2021, quando a Organização Mundial do Turismo (OMT), lançou a "Declaração de Glasgow", vários países aderiram ao ambicioso objetivo de zerar emissões de carbono na indústria turística até 2050. "Somos signatários da declaração. A Embratur já elaborou um plano de metas de redução de emissão de carbono com ferramentas de promoção em workshops, eventos e feiras. Estamos divulgando essas ferramentas, queremos incentivar todo o trade turístico — operador, meio de hospedagem, setor de transporte — para seguir o exemplo", disse.


O segundo eixo, sociobioeconomia, procura valorizar a produção local e fomentar a sustentabilidade. É o que já faz hoje os roteiros de turismo de experiência. A modalidade não só enriquece a experiência do viajante ao interagir com comunidades locais como incentiva a geração de emprego e renda. No caso da economia circular, a proposta é estimular melhor uso de recursos naturais para promover a redução de lixo, a reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e a utilização de energia limpa.


Dos eixos propostos pela nova gerência, talvez o mais desafiador seja o da resiliência climática. "Vamos ter que melhorar nossa resiliência aos impactos ambientais: secas prolongadas, inundações. Medidas preventivas conseguem reduzir perdas e danos na maioria dos casos", salienta. Ele cita como melhor exemplo o programa Um Milhão de Cisternas, implantado no Nordeste, uma iniciativa promovida pela Articulação do Semiárido (ASA)  e executado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. De baixo custo e simples manuseio, ele ajuda comunidades rurais de baixa renda da região a enfrentarem os longos períodos de seca, fenômeno que se intensificou na última década e que leva à fome, mortalidade infantil e migração em massa.


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Critérios ESG


Uma tendência crescente no mercado tem sido a adoção por parte de grandes empresas — todas fora do turismo, como Unilever, Ypê, Boticário, Petrobrás, Nestlé, Banco do Brasil, P&G e Coca-Cola, só para citar as mais bem-posicionadas — de critérios ESG, sigla em inglês para "ambiental, social e governança". O termo foi cunhado em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial em 2004 e propõe uma jornada de transformação dos negócios a partir de práticas inclusivas, éticas e ambientalmente sustentáveis.


Segundo pesquisa da consultoria Grant Thornton Brasil, apenas 39% das organizações estão desenvolvendo, de fato, um plano estratégico voltado para essa abordagem, e 54% das empresas brasileiras ainda pretendem investir em ESG no futuro. Isso porque os empresários já sentem a pressão nos negócios. No turismo, apenas a Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav), a rede hoteleira Accor, o ecossistema BeFly, o Grupo Tauá, as agências de viagens corporativas Copastur Viagens e Turismo e Kontik adotaram a ESG. Para um setor que movimentou R$ 208 bilhões em 2022 e representa 7% do Produto Interno Bruto (PIB), o turismo ainda engatinha na agenda ESG.


"A Embratur está apenas se antecipando a essa tendência de mercado", explica Filho. Qualificar e capacitar o trade turístico, segundo e o professor, é importante neste momento para produzir resultados a longo prazo. Em relação aos destinos, Bonito (MS) é a referência em política de sustentabilidade. Ao criar um voucher único, o destino implantou um modelo de gestão da atividade turística que organiza a capacidade carga nos atrativos, impede sua saturação, controla os impactos ambientais e cria um sentimento coletivo de utilizar bem os recursos naturais.

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Práticas bem-sucedidas


Na América do Sul, apenas Machu Picchu, aderiu ao turismo sustentável. Em 2021, a cidade perdida dos incas, principal atração peruana, recebeu pela OMT, por meio da empresa global Green Initiative, a certificação carbono neutro, após colocar em prática, em um trabalho articulado entre setores público e privado e sociedade civil, uma série de ações para descarbonização e combate às mudanças climáticas. "Todo destino pode fazer isso, porque se representa inicialmente uma elevação de custos, depois reflete em sua competitividade", fala Saulo Filho.


Filho considera que se nada for implementado a curto prazo, essa onda de calor fora da curva vai piorar nos próximos anos. "As temperaturas médias subiram 1,2 graus celsius no planeta desde a Revolução Industrial", destaca. Do ponto de vista mundial, esse aumento ocorreu devido ao aquecimento global, com o aumento de gases CO2 na atmosfera e pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico, fenômeno popularmente conhecido por "El Niño", que ocorre em normalmenteem  intervalos regulares, mas que agora se tornaram mais frequentes.


Pressão e consciência


O mundo enfrenta um quadro de mudança global do clima, isso é fato. Em escala mundial e local, poluição, desmatamento e mau uso da terra e dos recursos hídricos são fatores preponderantes para as alterações climáticas. "O viajante sozinho não pode fazer muita coisa, mas pode valorizar as ofertas sustentáveis e exercer pressão sobre empresas", sugere. O ecoturismo está incluso nesse pacote de conscientização, segundo ele, quando o turista respeita o meio ambiente, utiliza de forma correta a água e o descarte de resíduos e valoriza as comunidades locais.


"Qualificar e capacitar o trade é importante e já produz alguns resultados", enfatiza Saulo Filho. Eventos como a Abeta Summit podem produzir consciência e engajamento do setor privado, mudar atitudes e criar um sentimento de responsabilidade coletiva. Ações, como a descarbonização, são de maturação a longo prazo, mas outras, como a bioeconomia e a economia circular, não. Podem ser implementadas de imediato. "Estamos incentivando a cadeia produtiva do turismo a adotar boas práticas de sustentabilidade para fortalecer o segmento".


Informações e inscrições, acesse Abeta Summit 2023.