A estação de inverno começa no dia 20 de junho, mas muitas cidades mineiras já sentem o friozinho chegando devagar. No dia 2 de março, em pleno verão, Belo Horizonte registrou 14,6ºC, mas as mínimas têm se mantido entre 17ºC  e 20ºC. É consenso entre os meteorologistas que, em 2010, não haverá os fenômenos El Niño ou La Ninã, o que significa que o inverno pode ser mais intenso no hemisfério sul do que nos últimos anos.

Essa já seria uma boa notícia para as confecções do Circuito das Malhas, região do Sul de Minas localizada próxima à divisa com São Paulo, que inclui os municípios de Borda da Mata, Inconfidentes, Jacutinga, Monte Sião e Ouro Fino. Desde março, essas cidades deveriam estar registrando uma movimentação bem grande de turistas, mas neste ano, particularmente, por conta da pandemia de coronavírus, as ruas estão vazias. 

"Está sendo catastrófico o impacto da pandemia para Jacutinga", afirma o empresário Lourenço Bartolomei. Como vários outros da região, Bartolomei aguardava a alta temporada - abril a julho - para escoar a produção. "Os clientes estão cancelando pedidos, outros adiando. Desse jeito, o fluxo de caixa fica descontrolado. Quem demitir agora também corre o risco de não conseguir mão-de-obra depois da crise", afirma.

Jacutinga

Em Jacutinga, um decreto municipal publicado em 20 de março fechou as indústrias e o comércio, seguindo recomendações do Ministério da Saúde e do governo estadual. No dia 25, outro decreto flexibilizou o funcionamento das indústrias. "Estamos atendendo todos os procedimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. As indústrias operam com 50% de funcionários", afirma Newton José de Carvalho, secretário de governo.

Na cidade a 474 km da capital mineira, são cerca de 1.200 malharias de pequeno, médio e grande porte. Segundo Eliseo Favano Júnior, presidente da Associação Comercial, dos 26 mil habitantes da cidade mais de 10 mil estão envolvidos no ramo da malharia. A Fest Malhas, maior festa da região, que costuma receber em maio cerca de 180 mil turistas, foi adiada para o período de 5 a 21 de junho, com possibilidade de ser prorrogada para julho.

"Nossa venda é sazonal. A cidade já era para estar lotada de ônibus de excursão com compradores e lojistas. Os pedidos que seriam entregues no final de março foram cancelados. Estamos avaliando uma queda de 70% a 80% na renda das pessoas que moram no município", afirma Júnior. Para garantir alguma venda, a associação lançará no dia 13 uma plataforma de e-commerce para ajudar os empresários locais a superar a crise.

A tradicional Feira de Malhas e Tricôs do Sul de Minas, agendada para inaugurar o novo Minascentro em maio, foi adiada para junho. "Os 90 expositores aguardam a evolução da pandemia para decidir por uma data", afirma José Antônio da Silva, mais conhecido como "Zé da Nica", da Dynamica Eventos, organizadora da feira. Quanto à Fest Malhas, Jacutinga esperava bater um recorde de público de 250 mil visitantes nos 21 dias de realização.

Monte Sião

Em Monte Sião, a oferta de lojas e fábricas se assemelha à vizinha Jacutinga: são cerca de 1.400 fábricas e mais de 900 lojas. Também um decreto municipal fechou o comércio e flexibilizou o funcionamento das indústrias. O prefeito José Pocai (PSL) se alinha à proposta do presidente Jair Bolsonaro de flexibilização das medidas de restrições de combate à Covid-19. "Temos que encontrar um meio-termo entre a saúde e a economia. É preciso equilibrar. Cerca de 80% de nossa cidade vive da malharia", pondera o prefeito.

É o caso de Alexandre Pocai, da Bianca Malhas. A maioria de seus clientes são de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O empresário fechou a empresa e colocou os oito funcionários de férias coletivas. Ele também é a favor das medidas de flexibilização propostas pelo presidente. "Hoje na cidade não estamos vendendo 2% do que vendíamos. Não há como manter custos sem ganhos", reconhece. Como Pocai, Carlos Rocha, da Maria Morena Malhas, de Jacutinga, está com a empresa fechada desde o dia 19 de março.

Rocha, que vive dos ônibus de excursão que chegavam à cidade nesta época do ano, produzia em torno de 400/500 peças por dia. O estoque de cem mil peças está à espera de compradores. "Não temos nem como transportar a produção", afirma. Mesmo com as dificuldades provocadas pela pandemia, ele é a favor da quarentena e das medidas restritivas e contra demissões. Os 30 funcionários foram colocados em férias coletivas. "Se essa pandemia prolongar até maio ou junho vai quebrar muita gente por aqui", alerta.

Crédito

Até agora as prefeituras locais prorrogaram o pagamento de impostos municipais. Empresários como Lourenço Bartolomei esperam mais das esferas municipal e estadual. Ele considera "razoável" a Medida Provisória 936 para a manutenção de emprego e renda. "Pena que veio um pouco tarde, porque muitas demissões já ocorreram", afirma. Lourenço ressente de capital de giro para movimentar seu negócio.

"A situação é delicada", reconhece Bartolomei. "O impacto é incalculável para a economia", reforça Élcio Francisco do Carmo, prefeito de Monte Sião. Já são mais de 4.000 desempregados na cidade.

Máscaras

Para combater a pandemia, Monte Sião prepara duas salas na Unidade Pronto Atendimento (UPA) para tratar os casos graves. Com cerca de 22 mil habitantes, há um caso suspeito. O exame já foi enviado para a capital mineira e aguarda liberação de resultado. As vizinha de Ouro Fino (MG) já possui nove casos suspeitos e um morto. Águas de Lindóia, que fica a 9 km de Monte Sião, em São Paulo, registrou domingo uma morte e tem quatro pacientes aguardando confirmação. Em Jacutinga, segundo a prefeitura, não há casos confirmados, mas apenas quatro pessoas monitoradas e oito suspeitos.

Diante do cenário de pandemia, empresários como Alexandre Pocai, da Bianca Malhas, e Luís Guilherme Gonçalves, da Ana Gonçalves Tricot, estão aproveitando a paralisação das operações para produzir máscaras de proteção individual. A escassez de máscaras no mercado foi o motivo, segundo Pocai, que o levou a tomar essa decisão. No momento, a produção ainda não começou: "Estamos escolhendo o modelo e os materiais a serem utilizados". Já Gonçalves montou parceria com um hospital de Campinas para produzir máscaras em sua empresa.

A parceria deu origem ao projeto Jacutinga pelo Brasil. Gonçalves recebeu 250 m de TNT 60 da Rede Mario Gatti, responsável por dois hospitais públicos da cidade paulista, para produzir as peças. "Montei uma célula dentro da empresa e produzi essa primeira doação. Se der certo passamos ao segundo passo, que é continuar o fornecimento para o hospital e manter o emprego das costureiras da cidade", afirma o empresário de Jacutinga. A proposta é também produzir aventais para o centro de saúde paulista.

Na empresa de Gonçalves, também é feito todo corte e costura de tecidos para outras fábricas da cidade. Até agora, segundo o empresário, foram cortadas mais de 15 mil máscaras de tricoline, que foram distribuídas nos serviços essenciais que ainda funcionam, como farmácias, supermercados, correio e padarias.

Outra ação foi realizada em parceria com 15 malharias de Jacutinga. Durante a paralisação das atividades por conta de um decreto municipal, o empresário José Norberto Carcioffi produziu, na Malharia Tricotbella, dez mil máscaras de tricoline com dupla proteção para funcionários de serviços essenciais da cidade. No trabalho voluntário e comunitário, cada empresa forneceu um serviço - tecido, corte, modelagem e costura. Dessas máscaras, cerca de 300 unidades foram doadas ao Asilo São Vicente.