Tacho de cobre ao fogo, barriga esquentando no fogão a lenha e horas de prosa enquanto se mexe o doce para não desandar a receita. O cheirinho transporta a gente pra um lugar de afeto, sabor e segurança. Pode ser dos tempos da sua infância com a avó, aquela tia querida ou, quem sabe, a mãe que ficou no interior enquanto você foi desbravar a capital. Estamos na casa da doceira Maria Rosa de Souza, de 73 anos. Ela é uma das 12 mulheres que abriram seus lares para visitantes e hoje fazem parte da Rota das Doceiras da Lapinha, em Lagoa Santa.
O circuito recebeu novo fôlego há um ano, com a retomada do projeto pela prefeitura e pelos moradores, para fortalecer o turismo de base comunitária. “A ideia é lançar um festival de gastronomia futuramente”, conta Marta Machado Soares, promotora da iniciativa e guia da Receptur Lapinha.
Desde os 9 anos, a doceira Maria Rosa ajudava a mãe a preparar quitutes para vender. Hoje, ela tem cinco filhos, 11 netos e quatro bisnetos. Mas apenas o filho Rodrigo Carlos e algumas netas se dedicam, junto com ela, ao Quintal da Lapinha , restaurante self-service com comida – e aconchego – mineira.
Fartura
O lugar é muito procurado para almoços sem pressa em família. Enquanto as crianças aproveitam o “quintal” pra brincar soltas junto a bichos de roça; os adultos sentam-se em volta de uma mesa e apreciam uma cachacinha para abrir o apetite.
Por volta das 11h, a comida já está pronta. O cardápio é de encher os olhos e infartar qualquer mineiro: feijão tropeiro, frango com ora-pro-nóbis, macarronada, torresmo, linguiça caipira, carne de panela e angu, que, claro, que não pode faltar.
Mas não se acanhe que ainda esperam por você um pudim de leite condensado do tamanho do coração de mãe, arroz-doce, doce de maracujá (inclusive, um tipo vermelho), ambrosia e doce de abóbora. Ao ser questionada sobre seu doce favorito, Maria Rosa desconversa: “Doceira faz doce de tudo”. Então, não faça desfeita, prove de tudo. Depois dessa deliciosa entrega, redes esperam por você para “fazer o quilo”.
Cafofo: um convite para o “aqui e agora”
Entrar no Cafofo Café com Arte (facebook.com/cafofocafecomarte) é como chegar a um universo paralelo de energia boa, que renova sua fé nas pessoas. A casa, de 110 anos, é feita de adobe e preserva suas tábuas originais. Cada cômodo guarda peças de artesãs da região em meio a objetos tão antigos quanto a residência. É detalhe a perder de vista!
Quem nos recebe são as anfitriãs Cássia Soares, de 56 anos, e Maria José de Almeida, de 63. O abraço delas já valeria a viagem, mas você ainda terá direito ao combo café e oficina de artesanato.
A dupla impressiona com a mesa posta e os cuidados com cada detalhe. O suporte para tapar o bolo é uma chaleira, a broa de milho vem embrulhada em folha de bananeira, singelas flores enfeitam o prato de bolos de jabuticaba e pequi. O chá tem história: faz príncipes aparecerem… E, assim, você vai se deixando levar. Quando assusta, quer fazer outro fuxico da oficina que é oferecida. Não há ansiedade ou urgência em cumprir prazos. É desfrutar da simplicidade do momento.
Antes de ir embora, não se esqueça de fazer sua matula - uma provisão para a viagem.
A sofisticação ao se fazer o simples
“Lá em casa as pessoas entram pela cozinha”, conta Adélia do Carmo, de 48 anos, que faz parte da terceira geração de doceiras em sua família. Ela conta que só foi conhecer bombom Sonho de Valsa aos 15. O pai tinha um bar na serra do Cipó, e sua mãe era cozinheira. Os doces eram simplesmente uma forma de guardar as frutas da estação.
Hoje ela representa a marca Dona Roxa, que fabrica de geleias de abacaxi com pimenta e licores a incrivelmente saborosas ambrosias. O nome da marca veio em homenagem à mãe. “Antigamente, quando nascia uma criança negra, eles falavam: ‘nasceu uma criança roxinha’”, explica.
Em seus doces, só há 50% de açúcar. Para se ter uma ideia, a legislação sobre produção industrial determina entre 60% e 70%. Adélia não quer crescer nessa escala. Para ela, o sofisticado hoje é fazer coisa simples muito bem feita: “o ponto da cozinha artesanal é você ter saudade do que eu faço”, decreta.
Dona Lôra, vida inteira de doceira
Com 80 anos, Laurinda Augusta – a Dona Lôra– é a doceira na ativa mais antiga da Rota da Lapinha. Metade da sua vida ela passou fazendo seus quitutes, que vão de doce de abóbora com leite de coco a mamão espelhado e figo. Uma vez na casa da Dona Lôra, será impossível parar de comer as amêndoas, versão brasileira das amêndoas glaceadas, feita com amendoim. Seu preparo envolve calda de açúcar média e exposição ao sol.
Curadoria de viagens
Quem nunca viu uma foto no Instagram e se imaginou ali naquele cenário, desejando viver a viagem perfeita de estranhos desconsiderando completamente o que te move de verdade? Foi observando esse movimento que Tiago Oliveira criou, em 2018, a agência Tripness, curadora de viagens. A ideia é ser uma operadora de experiências. “Para cada estado de espírito, existe uma viagem assertiva. Tem que se adequar à sua realidade”, explica. Atualmente, são 14 roteiros exclusivos que vão da Rota das Doceiras, em Lagoa Santa, e da vivência do festival de blues de Ibitipoca, na Zona da Mata, até um tour no Vale do Silício de Israel. Neste mês será lançado um tour cultural de patinete por Belo Horizonte.
Patrimônio
Em 2017, o modo artesanal de fazer os doces e as quitandas da Lapinha foi registrado como Patrimônio Imaterial do Município, um instrumento legal de preservação definido pelo Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico. O intuito é preservar as raízes culturais locais. A tradição surgiu com as fazendas coloniais da região, em especial a do Fidalgo. Os doces eram feitos com as frutas da temporada que eram abundantes na localidade, como figo, mamão, laranja da terra e limão. Havia opções em compotas e cristalizados, que eram servidos em festas, casamentos e batizados. A Lapinha já está em sua sexta geração de doceiras. Em 2018, o projeto da Rota das Doceiras surgiu para resgatar a tradição e convidar os visitantes a conhecerem a gastronomia local.
E mais...
Fidalgo
Capela Sant’Ana
A construção do século XVIII, junto com a Fazenda Fidalgo, formava a antiga Vila do Fidalgo, povoado de meados de 1728. O dono da fazenda tinha um filho padre que morava na Europa e, ao vir para o Brasil, não tinha onde celebrar a missa. Assim, foi construída a capela, hoje em fase de restauração. Pare por ali, aprecie a edificação por fora e caminhe pela linda estrada em frente.
Parque
Quinta do Sumidouro
O Parque Estadual do Sumidouro abriga a Gruta da Lapinha, a grande atração local, juntamente com as descobertas de Peter Lund, pai da paleontologia brasileira. Chegue cedinho ao distrito da Quinta do Sumidouro (Pedro Leopoldo) e, antes de pegar a trilha, conheça a casa centenária do bandeirante Fernão Dias. Entrada a R$ 25 por pessoa. Inf.: bit.ly/2Y5B5gM
Sumidouro II
Capela do Rosário
Também na Quinta do Sumidouro está a capela de Nossa Senhora do Rosário. Fundada em 1724, é uma edificação simples, em estilo colonial. “Quando a pessoa está nervosa, entra aqui e encontra a paz”, avisa o senhor Paulo José Narciso, responsável pela primeira restauração da capela, há 36 anos. Se der sorte de encontrá-lo por lá, sente-se no banco da igreja e absorva sua sabedoria.
SERVIÇO
Quem leva
Tripness. Tours pela Rota das Doceiras a partir de R$ 189 por pessoa. Todos os sábados das 8h às 16h. Reservas e informações em tripness.com.br.
Onde comer
Quintal da Lapinha. Self service a R$ 34,90 o quilo. Aberto aos sábados, domingos e feriados das 8h às 18h. Conta com música ao vivo em datas especiais. No Dia das Mães, 12, contará com o músico Bruno Paes na programação (R$ 3 de couvert). Há produtos à venda, como linguiça caseira e defumados (R$ 22 o quilo) ou fubá (R$ 4,90 o quilo). facebook.com/quintaldalapinha.
Cafofo Café com Arte. Tarde de café e oficina de artesanato. Agendamentos pelo WhatsApp (31) 99916-0931.
Onde comprar
Dona Roxa. Ambrosias, licores, queijos e compotas de doces diversos. facebook.com/Donaroxadoces.
Dona Lôra. Rua Sant'Anna, 81, Lapinha, (31) 3689-8112