No dia 14 de abril deste ano, a notícia de que o corpo do garoto Bernardo Ugliane Boldrini, 11, havia sido encontrado dentro de uma cova em um matagal, no Rio Grande do Sul, emocionou o país. A dura realidade é que, em silêncio e dentro do lar, muitas crianças de todas as classes sociais são maltratadas e negligenciadas como Bernardo foi nos seus últimos quatro anos de vida, após a morte da mãe, em 2010. Sozinho e sofrendo com a perda, o descaso do pai e a truculência da madrasta, o menino chegou a pedir ajuda ao Fórum de Três Passos, onde morava, em 2013. Ele queria uma família que o tratasse bem. Mas o juiz negou o pedido, sob promessas do pai, o médico Leandro Boldrini, 38, de reaproximação, o que não ocorreu. Pior: o pai, a madrasta e uma amiga deles são acusados de matar Bernardo e estão presos.
Denúncias de negligência familiar já representam 73% do total de ligações de todo o país para o Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, superando as de violência física e sexual. Apenas em Minas Gerais, no primeiro trimestre deste ano, as denúncias de negligência e abandono aumentaram nada menos que 80% em relação ao mesmo período do ano passado.
Como parentes, vizinhos, amigos e educadores podem identificar sintomas de maus tratos e negligência em uma criança? Para especialistas, alguns sinais podem ser cruciais para evitar tragédias como a de Bernardo Boldrini. A mudança na forma de agir da criança pode ser o primeiro sinal.
“Quando ela sofre maus tratos e não está bem em casa, isso se manifesta no comportamento”, afirma a psicóloga Gláucia Pinheiro. “Por exemplo, se é brincalhona e, de repente, fica muito retraída, está acontecendo algo. Se tem um rendimento escolar normal e, de repente, piora muito, a escola deve procurar os pais”. Se após a conversa com a família o comportamento voltar à normalidade, é bom sinal. Caso contrário, é preciso buscar ajuda de um psicólogo ou terapeuta, procurar algum parente mais próximo para apurar o que está havendo ou recorrer ao Conselho Tutelar.
“Se o problema persistir, pode significar que os pais não perceberam a sua gravidade ou estão escondendo algo”. No caso de Bernardo, era comum ele procurar refúgio na casa de amigos para dormir e passar os fins de semana.
A psicóloga Maria Luíza Rocha explica que a forma específica da expressão infantil pode acabar confundido os adultos próximos. “Às vezes, o adulto não consegue perceber como a criança usa a fantasia para expressar o mundo interno dela”, diz ela. São sinais comuns de conflitos os distúrbios de sono (insônia ou sono exagerado), depressão, apatia, falta de apetite, isolamento, insegurança e agressividade.
“A criança também pode começar a se expressar nas próprias brincadeiras”, diz. Um exemplo é uma menina replicar com as bonecas situações que está vivendo. “Ela demonstra o que está sentindo na sua linguagem, que se expressa através da brincadeira, do lúdico”. Assim, um adulto que tenha a capacidade de compreender esses sinais consegue se comunicar e ter indícios do que está acontecendo.
Pior violência é não denunciar
A conselheira tutelar Adriana Coutinho Chagas, da Regional Pampulha, em Belo Horizonte, diz que as pessoas não podem ter medo de relatar as suspeitas. “O pior violador é aquele que não denuncia”, sintetiza.
Caso haja o testemunho de sinais de violação de direitos da criança, denúncias anônimas devem ser feitas pelo Disque Direitos Humanos, nos números 100 (nacional) ou 0800-031-1119 (estadual). As denúncias são apuradas pelos conselho tutelares.