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Foto: (Homem fica mais de 2 anos preso injustamente por assassinato de ex e filho bebê / Reprodução)

Thiago Paulino Simões no lote onde, há 12 anos, existia a casa em que sua ex e o filho, de apenas 5 meses, foram achados mortos

Homem fica mais de 2 anos preso injustamente por assassinato de ex e filho bebê

Por Alice Brito, Clarisse Souza, José Vítor Camilo e Tatiana Lagôa Publicado em 24 de julho de 2023 | 06h00

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No bairro Cantina, à direita de quem percorre 5 km do centro de Itajubá rumo à periferia da cidade do Sul de Minas, um esqueleto de uma casa destoa do restante da paisagem. Parte da fachada amarela foi o que sobrou do que antes era um lar, onde mãe, de 24 anos, e filho, de 5 meses, foram brutalmente assassinados em novembro de 2011. O local foi destruído após o crime que chocou o município, assim como o destino do ex-companheiro da vítima e pai da criança, Thiago Paulino Simões, 36, que foi preso injustamente apontado como principal suspeito do duplo homicídio. Quase 12 anos depois, já com a inocência comprovada e em liberdade, ele tenta reconstruir os escombros da própria vida.

 

A mulher foi encontrada morta, após ser atacada a cadeiradas e ter os seios perfurados com um garfo. Já o bebê foi arremessado ao chão e teve o crânio perfurado. Na época, o testemunho de uma criança de 11 anos e o relato de brigas entre o ex-casal foram as “sentenças” que levaram o servente de pedreiro Simões à prisão. Ele ficou encarcerado por dois anos e cinco meses aguardando julgamento e sob constantes ameaças de morte em função da suspeita de ter cometido um crime hediondo. A promessa dos companheiros de cela era que ele teria a cabeça arrancada no cárcere – um destino que só não se concretizou porque ele teve a inocência confirmada após o verdadeiro culpado ter confessado o crime.  
 

Uma história cheia de nuances, muitas falhas de um sistema que cria outras vítimas ao manter inocentes encarcerados por anos e que dá início à série de reportagens O custo da injustiça. Esse problema é difícil de ser mapeado em sua totalidade, como explica a advogada e diretora do Innocence Project Brasil, Dora Cavalcanti.

 

Confira o vídeo e conheça o drama de Simões e de sua família:

 

“A constatação que temos é que o número de pessoas que estão injustamente encarceradas é significativo. Mas não existe uma ferramenta que mapeie isso quantitativamente no país. Você só pode afirmar que uma pessoa foi condenada injustamente depois que a condenação é desfeita. Então, o que se enxerga é só a ponta do iceberg, porque tem os casos de pessoas que estão lutando por essa comprovação”, explica.

 

No caso de Simões, a Justiça foi feita graças à ajuda da tia da vítima. Ele até tinha apresentado um álibi contando onde e com quem estava no momento do crime. Porém, uma criança de 11 anos, moradora da região, disse à polícia ter visto o rapaz perto da casa da ex minutos antes do assassinato. Pesou contra ele também o questionamento que fazia quanto à paternidade da criança assassinada.

 

“Nós saímos durante três meses, eu conheci outra pessoa, então a gente se distanciou. Meses depois, quando a minha ex estava com a gravidez adiantada, depois de uns oito meses que tínhamos terminado, ela me procurou para contar sobre a gestação. Eu tive dúvidas e pedi o exame de DNA para confirmar que eu era o pai do bebê. Lembro bem do que eu fiz no dia do crime, estava em casa, e depois fui ajudar um vizinho. Mas, mesmo provando, fui preso”, disse o servente de pedreiro.

 

Tia da vítima suspeitou da injustiça

 

Passados pouco mais de dois anos da prisão do homem, a tia paterna da vítima, a empresária Elza Aparecida Sales, levou novas informações sobre o duplo homicídio para a polícia. Ela descobriu que um primo distante da sobrinha havia estuprado uma pessoa na cidade vizinha de Wenceslau Braz. O que teria chamado a atenção dela foram os ferimentos de garfos nos seios da vítima, exatamente da forma como havia ocorrido no primeiro crime.

 

Quando o homem foi investigado e interrogado, confessou o crime. A motivação, segundo o autor, seria a recusa da vítima em emprestar dinheiro para ele sustentar o vício em drogas. As digitais dele foram compatíveis com o material genético encontrado no local dos assassinatos. Ao ser sentenciado, o autor do duplo homicídio, que já estava preso pelo estupro, teria se matado no presídio. Já Thiago foi solto no dia 11 de abril de 2014, após ser inocentado em júri popular.

 

A justiça feita foi um alívio para muita gente envolvida nessa trama dolorosa. “Quando meu filho foi preso, já fui apontado na rua como o pai do assassino, mas, com o passar do tempo e com a absolvição do Thiago, as coisas vão melhorando. Independentemente de qualquer coisa, o importante é que o Thiago foi solto e está com a gente”, disse o pai da vítima de injustiça, José Paulino Simões.

 

O sentimento é compartilhado por familiares da vítima. “Minha família estava com medo, porque quem de fato matou minha sobrinha estava solto. Eu cheguei a culpar o Thiago pelas mortes. Por isso, fiz questão de ajudar a inocentá-lo. Não queria ‘um’ culpado, queria ‘o’ culpado preso”, disse a mulher que apontou a relação entre os crimes.