Berthier Ribeiro-Neto, Diretor de engenharia do Google para América Latina
Um dos principais executivos do Google no país, com forte perfil acadêmico, Ribeiro-Neto fala sobre
Um dos principais executivos do Google no país, com forte perfil acadêmico, Ribeiro-Neto fala sobre
aprendizado de máquina, regulação dos carros autônomos, visão computacional, linguagem natural, evoluções trazidas pelo mobile e o esforço diário para manter o maior mecanismo de buscas do mundo.
O aprendizado de máquina (“machine learning”, em inglês) é o atual foco do Google e a grande tendência do mercado de tecnologia. Mas, para o mineiro de Curvelo e diretor de engenharia do Google para a América Latina, Berthier Ribeiro-Neto, 56, ele não é tudo. Chefe de uma equipe com mais de cem engenheiros no escritório da empresa em Belo Horizonte, o ex-professor de ciência da computação da UFMG destaca o papel dos profissionais nas constantes melhorias do principal produto da empresa: o mecanismo de busca. Ribeiro-Neto conta que por ano são feitas cerca de 500 melhorias no sistema de ranqueamento do Google, o que significa mais de uma por dia. Mas isso não diminui a importância do aprendizado de máquina. Ele diz que a tecnologia trará um “impacto gigantesco” na visão computacional – o sistema que faz sensores e câmeras tomarem as decisões necessárias para, por exemplo, um carro autônomo ser possível. Sobre esse tipo de veículo “do futuro”, o diretor afirma que a mudança na direção dessa nova mobilidade não tem mais volta. Confira os principais momentos da entrevista.
Qual a importância do aprendizado de máquina para o Google? O foco é cada vez mais forte no aprendizado de máquina. Nós éramos uma empresa “mobile first” (mobilidade primeiro) e passamos a ser uma empresa “machine learning first” (aprendizado de máquina primeiro). Isso significa onde está o foco de atenção. Não significa que estamos deixando de fazer mobile. Existem centenas de milhares de pessoas que utilizam a nossa plataforma móvel, e o número de pessoas utilizando telefone celular está aumentando pelo mundo afora, e rapidamente. Existe uma tendência nova, que é o uso de aprendizado de máquina, uma tecnologia diferente que permite gerar um classificador – um programa que define, por exemplo, se numa imagem existe um gato ou não. Você pode fazer classificadores com uma pessoa escrevendo um programa, só que leva muito tempo e você tem que ajustar esse programa. Outro caminho é dar exemplos de fotos para o sistema e dizer que tem um gato. É um conjunto de treinamentos. Quando o programa olha para uma imagem nova, que ele nunca viu, vai dizer, com alta precisão, se ali tem um gato ou não. É como se ele tivesse aprendido, por isso chamamos de aprendizado de máquina. Essa tecnologia é importante por duas razões. A primeira delas é que ela evoluiu muito nos últimos cinco anos e você gera os classificadores muito mais rapidamente. O que levava semanas, agora, é gerado em horas. A segunda razão é que existem certos problemas – e eu dei um exemplo, que é identificar objetos em imagens – que, se você não usar “machine learning”, terão solução inferior.
Novos produtos serão desenvolvidos com o aprendizado de máquina? Sim. Se pensarmos onde a tecnologia do aprendizado de máquina vai ter um impacto gigantesco, é na área da visão computacional. O exemplo clássico de aplicação é um automóvel dotado de câmeras e sensores. É preciso escrever um programa para que esse veículo ande no trânsito de forma automatizada, sem a ação de humanos, é isso que chamamos de “visão computacional”. Grande parte desse programa usará aprendizado de máquina e vai ter um impacto enorme. Temos centenas de pessoas dirigindo neste momento e, se tivessem opção, não estariam dirigindo. Mas, para o carro andar sozinho, precisa desse processamento automatizado de visão, de imagem, da câmera, e isso é fortemente baseado em aprendizado de máquina.
O carro autônomo já é uma realidade? Isso não tem mais volta. Não é uma realidade ainda porque esses programas precisam ser aprovados, regulados pelo poder público, assim como nós, humanos, somos regulados. Não é qualquer humano que pode pegar um carro e sair dirigindo, ele precisa estar habilitado, tem que ter aulas, fazer testes de legislação e direção. O espaço é regulado porque o carro é perigoso. Os programas serão regulados também. Os processos de regulação estão em andamento, então vai demorar uns anos, mas ele está vindo e, claramente, vai acontecer.
Os robôs autônomos também virão? Isso já acontece. Um robô que limpa a casa é um exemplo. Chega o fim do dia, e a casa está limpa. A cada obstáculo, ele recalcula uma nova rota. É uma inteligência simples, às vezes ele repete a rota, mas a verdade é que funciona. (Eles vão se desenvolver) nos próximos anos, não está distante.
A evolução da pesquisa no Google se dá pelo aprendizado de máquina? A nossa máquina de busca usa “machine learning” sim. Mas nem toda evolução da busca vem dele. Muito dessa evolução vem porque temos centenas de engenheiros trabalhando nisso noite e dia. Durante todo o ano, fazemos 500 modificações na função de ranking, ou máquina de busca, do Google. Isso significa cerca de dez alterações toda semana. Você usa a máquina de busca e percebe que ela está evoluindo, e tem que evoluir mesmo.
Além desse esforço, o que mais está impactando a melhoria da busca? Outra coisa que está acontecendo é que, com o uso do celular, os usuários estão ficando mais sofisticados, eles querem resolver problemas cada vez mais difíceis com a busca, estão mais exigentes. As pessoas hoje usam o celular como máquina fotográfica. Você tira muito mais foto e, como o celular é um dispositivo conectado, recebe muitas fotos de amigos. São centenas de imagens no aparelho. Se não tiver um jeito de organizar de forma meio automática, fica inviável. Então a gente viu que isso é uma demanda. Uma forma simples de classificar as fotos é usar a data e o local, porque o telefone celular dá as duas coisas. Para isso não precisa de aprendizado de máquina. A geolocalização indica o lugar e a data. Essa informação vem do celular. É um exemplo de classificação que melhora muito a vida do usuário, e foi um programador que escreveu a solução.
Em que o aprendizado de máquina vai mudar a relação do Google com o usuário? Já está mudando. A primeira é processamento de imagens e reconhecimento de objetos. Hoje, quando você bate uma foto, o sistema reconhece que você está em frente à Torre Eiffel em Paris. Isso é importante porque permite que a gente faça coisas que não conseguia fazer antes. Outro exemplo é tradução. Todo o programa da plataforma de tradução do Google é baseado em aprendizado de máquina. Esse programa atualmente é tão bom que, se você tiver um texto em inglês para ser traduzido para o português e pedir para uma pessoa traduzir, e der o mesmo texto para esse programa, não vai conseguir mais ver a diferença entre o que o humano fez e o que esse programa fez. Isso tem inúmeras aplicações. Se você está na França, não sabe francês e vê um sinal na rua, ou a vitrine de uma loja, é só apontar seu celular para aquele local, que ele traduz na hora. Assim é possível andar pela cidade, ir traduzindo e se virando sem saber francês. Se tiver paciência, pode pedir um café em português, que o programa traduz para o francês. Ele não é natural. Estamos trabalhando para tornar (a linguagem) mais natural.
A linguagem natural está em desenvolvimento? A linguagem natural é uma área em que estamos trabalhando intensamente, e temos muito a fazer ainda. Vou dar um exemplo. Na máquina de busca, normalmente o usuário digita de duas a três palavras, e, a partir delas, o sistema infere a intenção da pessoa. Mas, quando fala ao telefone, por exemplo, o usuário diz muito mais do que três palavras. A máquina não está treinada para esse tipo de pergunta. A pergunta em linguagem natural tem 20, 30 palavras. Mas só três realmente importam. As outras funcionam como ruído. A máquina precisa melhorar nesse sentido.
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