“Existe uma lacuna entre o que as escolas estão ensinando e as habilidades que os jovens precisam aprender”; “80% do que se aprende nas aulas de matemática não serve para nada”; e “temos que esperar o melhor e estar preparado para o pior”. A primeira frase foi dita pelo codiretor do Grupo de Mudança de Líder da Harvard, Tony Wagner. A segunda, pelo físico Conrad Wolfram, que ficou famoso por palestras de como ensinar matemática do mundo real para crianças. A terceira frase é de Ricardo Luiz Lima Torres, 10, aluno do 5º ano do ensino fundamental. Os dois primeiros falam de teorias sobre o que uma escola precisa oferecer para preparar o jovem para o mercado de trabalho. Já Ricardo, que ainda não escolheu sua profissão, explica que tudo que ele tem aprendido em aulas práticas vai ajudá-lo a ser um bom profissional.
As escolas já perceberam a importância de investir nessas habilidades, muito além da tradicional grade curricular. “Temos um supermercado simulado, onde aprendemos a fazer cálculos, resolver os problemas mais rápido e, também, o quanto é importante gastar menos do que ganhamos e ter reservas, para o caso de um imprevisto. As aulas teóricas são importantes, mas é muito bom ver como as coisas funcionam, e não só saber como é que elas deveriam funcionar”, afirma Ricardo.
Ser capaz de analisar bem as informações e de ter pensamento crítico e saber resolver problemas, que Ricardo está aprendendo com esse projeto, são apenas duas das sete habilidades que Tony Wagner lista como fundamentais para o jovem chegar preparado aos mercados de trabalho e empresarial. As outras cinco são: colaboração entre redes, agilidade e adaptabilidade, curiosidade e imaginação, comunicação eficaz e empreendedorismo. No livro “The Global Achievement Gap”, Wagner diz que essas competências são essenciais para a sobrevivência das crianças no mercado de trabalho do futuro.
Na prática. A coordenadora do infantil e do fundamental do Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte, Rosimeire Pacheco, ressalta que, só com o projeto do supermercado, lançado neste ano, os estudantes de 5 a 11 anos aprendem noções de cálculo, prestações e inflação. “Os alunos levaram todas as embalagens e também aprenderam sobre sustentabilidade, ao verem tudo que seria jogado fora. Eles coletam os preços e aprendem sobre descontos e promoções”, explica Rosimeire.
No Santo Agostinho, o empreendedorismo é destaque e, por incrível que pareça, tudo está ligado às aulas de robótica. “Ao trabalharem a robótica, os alunos do ensino médio têm que criar produtos e soluções para um problema real. Fazem um estudo de mercado para ver se seria interessante lançar aquele produto, aprendem a traçar metas e a fazer planejamento. Aprendem também o quanto é importante fazer uma boa comunicação, pois não adianta só ter uma ideia fantástica”, explica o diretor Clóvis Oliveira.
Para a vida toda. A partir das aulas de empreendedorismo, Rafael Câmara, 17, aprendeu a organizar seus planos e começou a trabalhar com fotografia. “Sempre achei um absurdo aprendermos com profundidade tanto conteúdo diferente, sem entender o funcionamento das coisas. Esse projeto me deu oportunidade de investir nas minhas próprias ideias e projetos. Acho que a escola tem um papel muito maior do que preparar para o Enem, tem que nos ajudar a compreender nosso papel como cidadão”, destaca Rafael. Ele, que pretende cursar engenharia florestal ou ambiental, já coloca em prática o espírito social desses projetos. “O colégio gasta 2 milhões de folhas de papel por ano. Então, colocamos uma caixa em cada sala do ensino médio para coletar essas folhas, que são entregues para a Asmare para reciclagem”, conta.
Expectativa dos pais é o diferencial humano
O economista Ricardo Luiz Azevedo Torres, 49, é pai do pequeno Ricardo, aluno do Colégio Arnaldo. Para ele, a educação precisa ultrapassar a barreira do conhecimento técnico, e é isso que ele espera de uma escola. “Para se adaptar à atual realidade do mercado de trabalho, as escolas precisam olhar o futuro. E o futuro mostra que os profissionais vão ter que ser empreendedores. Esperamos que as instituições invistam para fortalecer o lado estratégico das crianças, para que nossos filhos tenham, além da opção de serem empregados, que é o que pensávamos antigamente, também a possibilidade de empreender”, afirma Torres.
Para o engenheiro Robson Castro,58, que é pai de Rafael Câmara, a principal expectativa em relação à escola é o diferencial humano. “Não dá para preparar apenas didaticamente, tem que orientar além das matemáticas da vida e despertar o aluno para a jornada de autoconhecimento”, destaca Castro.
Sonho hoje é ter o próprio negócio, mais do que carreira
Se quando os pais eram alunos a expectativa era fazer carreira numa grande empresa, agora, os filhos sonham mais em ter o próprio negócio. “Eu estava conversando com dez jovens que estão indo para a faculdade, e oito querem empreender. As escolas precisam trabalhar valores como colaboração. É a chamada ‘inteligência relacional’”, afirma a gerente de carreiras do Ibmec, Fernanda Schroder.
Há três anos, o Coleguium criou o Laboratório Inteligência de Vida (LIV), que trabalha colaboração, criatividade, pensamento crítico, proatividade, perseverança e comunicação, por meio de personagens criadas para apresentar problemas e incentivar soluções. “Os alunos mais novos aprendem a lidar com as emoções. A partir daí, trabalhamos conflitos. Nosso papel é garantir a empregabilidade futura, pois, mais que aspectos técnicos, as empresas querem pessoas que saibam colaborar umas com as outras”, diz o diretor Guilherme Cintra.